“Você busca por conhecimento e sabedoria, como um dia eu fiz; e eu ardentemente espero que a gratificação de seus desejos não sejam uma serpente a morder você como a minha foi.”
Frankenstein
Um dos aspectos mais peculiares do ser humano está em sua capacidade de compreender a natureza e explicar a realidade. Tal capacidade nos distanciou significativamente dos outros animais, fazendo de nós capazes de criar coisas que até séculos ou décadas atrás teriam sido impensáveis. Estas inovações e descobertas surgem de forma cada vez mais rápida, ficando difícil para o homem comum acompanhar e compreender a evolução da ciência. Talvez por isso a capacidade de ciência de criar vida, seja a partir do que é vivo (clonagem, células-tronco) ou até a partir daquilo que não é (inteligência artificial), nos faz temer pelo que o futuro nos reserva. Poderemos um dia descobrir os mecanismos de produção da vida e vencer a morte? Conseguiremos criar vida a nosso bel prazer, seja para nossas necessidades ou apenas porque podemos? E mais importante, isso é certo?
A intenção e vontade da humanidade de “brincar de deus” não é nova e sempre causou tanto fascinação quanto medo. Mas aquilo que no passado eram preocupações apenas da literatura ou do cinema são questões éticas reais nos dias de hoje. Talvez por isso tais temas deveriam ser muito mais relevantes hoje do que em qualquer outra época. E é por isso que Frankenstein até hoje pode ser considerada uma história atual.
Frankenstein ou O Moderno Prometeu, criação de Mary Shelley, esposa de Percy Bysshe Shelley, grande nome do romantismo e influenciador do ultrarromantismo brasileiro (que tinha como um dos principais representantes Álvares de Azevedo), é um livro publicado pela primeira vez em 1818 e que conta a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que, obcecado surgimento da vida, desvenda os segredos da criação e constrói em laboratório seu próprio ser vivo, criado artificialmente. Quando o monstro acaba escapando do laboratório e chegando à cidade, causa pânico nos seus habitantes.
O romance possui uma “narrativa moldura” (onde uma história contém outra), cuja história é revelada através de cartas escritas pelo capitão Robert Walton para sua irmã enquanto ele está ao comando de uma expedição náutica que busca achar uma passagem para o Pólo Norte. O navio, sob o comando do capitão Walton, fica preso quando o mar se congela e a tripulação avista a criatura viajando em um trenó puxado por cães. Quando o mar se agita, liberando o navio avistam o moribundo doutor Victor Frankenstein em uma balsa de gelo. Ao ser recolhido, Frankenstein passa a narrar sua história ao capitão Walton, que a reproduz nas cartas à irmã.
A história trata bastante das relações criador/criatura, sobre a queda do homem e sua capacidade de manipular a natureza, trazendo discussões obviamente religiosas e míticas aos leitores. Isto fica claro no nome original do livro, que remete ao mito Grego de Prometeu, o Titã que roubou o fogo dos Deuses e deu aos homens a superioridade sobre outros animais. Tais temas são relevantes até hoje, e não é à toa que a história ganhou muitas adaptações em várias mídias.
A primeira adaptação significativa de Frankenstein foi feita em 1910 por Thomas Edison (sim, o inventor), sendo seguida por Life Without Soul, em 1915, que mostra um Frankenstein dos dias modernos tentando criar sua versão da criatura clássica. Também se sabe de um filme Italiano em 1920, chamado “O Monstro de frankenstein”. Mas as adaptações mais conhecidas pelos entusiastas do cinema de terror são os filmes da Universal que imortalizaram o ator Boris Karlof como o monstro, Frankenstein (1931), Bride of Frankenstein (A Noiva do Frankenstein, 1935) e Son of Frankenstein (O Filho do Frankenstein, 1939). Além disso, a Universal ainda produziu mais 5 filmes com o personagem (mas que não contaram com Boris Karloff como o monstro).
A Grã-Bretanha também teve sua série de adaptações do romance. A produtora Hammer produziu 7 películas protagonizadas pelo personagem, sendo que o primeiro deles, The Curse of Frankenstein (A Maldição de Frankenstein, 1957) protagonizado por Christopher Lee (um dos arroz de festa dos clássicos de terror).
Podemos destacar também obras como Frankenstein de Mary Shelley, de Kenneth Branagh (que até hoje divide críticos), O Jovem Frankenstein, paródia de Mel Brooks com Gene Wilder no papel de um Cientista chamado Frederick Frankenstein e o clássico oitentista Deu a Louca nos Monstros, que trouxe uma visão mais simpática, mas fiel do monstro. Há ainda diversas outras produções, tanto no cinema como em outras mídias, como quadrinhos, games e séries de TV, isso sem contar as diversas adaptações inspiradas pela história. Nos quadrinhos, o fantástico Bernie Wrightson (Monstro do Pântano) deu sua contribuição ao produzir uma versão da obra nos anos 80 (que foi publicado pela Marvel Comics e posteriormente reimpresso como um encadernado pela Dark Horse).
Frankenstein é, junto com os vampiros e os zumbis, um dos monstros mais icônicos da ficção e sua história até hoje é relevante, justamente pelos temas que trata, mais atuais do que nunca.
Curiosidades:
– Mary Shelley escreveu O Moderno Prometeu quando tinha apenas 18 anos;
– A história de Frankenstein surgiu numa noite de conversas entre ela, Percy Bysshe Shelley (de quem a atora na época era amante) e Lord Byron (outro influenciador do ultrarromantismo), onde os 3 buscavam criar a história mais assustadora que conseguiam. Quando Shelley teve a ideia, queria fazer um conto, mas com o incentivo de seu marido, ela expandiu a história para o romance que posteriormente foi publicado;
– A primeira edição do livro foi publicada anonimamente em Londres; apenas na segunda edição, publicada na França é que Shelley passou a ter seu nome creditado à obra;
– Ao contrário do que muita gente pensa, Frankenstein não é o nome da criatura, que no romance original de Shelly nunca fora nomeado. Ele só passou a ser conhecido por esta alcunha (não por acaso o sobrenome do cientista que o criou) após o filme de 1931 com Boris Karloff;
– Frankenstein foi criado no ano de 1816, que também é conhecido como O Ano Sem Verão, no qual anormalidades climáticas severas do verão destruíram plantações na Europa Setentrional, no nordeste dos Estados Unidos e leste do Canadá;
– Nas obras de Isaac Asimov, existe uma fobia Chamada Complexo de Frankenstein, que é o medo de robôs e/ou máquinas que se assemelham a humanos (androides);
– Bizarro, um dos inimigos do Superman foi criado pelo escritor Otto Binder na Era de Prata dos Comics como uma versão pastiche do monstro de Frankenstein;
– Entre as influências da autora para o seu romance estão duas obras poéticas: Paraíso Perdido, de John Milton e The Rime of the Ancient Mariner (O Poema do Antigo Marinheiro, sem tradução em português), de Samuel Taylor Coleridge (este último também inspirou a criação do antiheroi da Marvel Comics Namor).
Na próxima madrugada:
Outra das criaturas mais icônicas e antigas do terror tem suas origens reveladas. Na próxima semana, Maldições – Gênese.