O sucesso de Batman: The Movie de 89 e Batman: O Retorno de 1992, ambos dirigidos por Tim Burton, não foi suficiente para a Warner e seu dedo podre para fazer cagadas. O segundo filme foi o terceiro filme de maior bilheteria nos Estados Unidos naquele ano, e mesmo assim os produtores acharam que era pouco, e culparam o tom sombrio e violência. Afinal, Batman é um personagem de quadrinhos, precisamos agradar às crianças. Dessa decisão nasceu Batman: Eternamente, com uma radical mudança de tom em relação ao anteriores e um novo Bruce Wayne: Val Kilmer. A bilheteria do filme foi impressionante, na casa do 340 milhões de doletas, mas as críticas foram bem negativas. A sequência, que traz George Clooney no papel do herói foi a pá de cal na franquia. Planos para um quinto filme, Batman: Triunfante, que traria o Espantalho e a Arlequina e o retorno de Jack Nicholson como o Coringa em uma cena de delírio do Batman, foram engavetados pelo fracasso de Batman e Robin.
Quase uma década se passou até que a Warner apostasse novamente no personagem nos cinemas. E foi Christopher Nolan que trouxe novamente Bruce Wayne para a tela grande, em Batman Begins, em 2005. No meio tempo entre o fim da série de filmes anterior e a trilogia Dark Knight de Nolan vários projetos foram desenvolvidos e engavetados. Batman Beyond, que mostraria Bruce treinando um novo Batman; Batman: Ano Um, baseado na trama de Frank Miller; a primeira versão de Batman Vs. Superman, que teria roteiro de Andrew Kevin Walker (de Seven) e direção de Wolfgang Petersen – e traria o Coringa assassinando a esposa de Bruce Wayne, fazendo-o voltar ao traje de morcego em busca de vingança e enfrentando o Superman, a quem ele culpa pela morte, tudo para descobrirem no fim que era um plano de Luthor (melhor que o roteiro do Snyder).
Nolan, que havia acabado de trabalhar com o estúdio, fazendo Insomnia, teve seu filme sobre Howard Hughes que traria Jim Carrey no papel principal cancelado, devido ao filme de Dicaprio que estava sendo produzido. Com isso ele passou a se interessar por uma adaptação do Batman e, querendo alguém mais próximo dos quadrinhos ao seu lado, chamou o autor de Dark City, David Goyer. E assim nascia Batman Begins, o início da nova franquia do homem morcego nos cinemas.
O filme que coloca Batman para enfrentar o Espantalho e Ra’s Al Ghul em uma intrincada trama de origem com forte pegada psicológica teve uma boa ideia ao não colocar o Coringa logo de cara como oponente. Desta forma Bruce Wayne teve o tempo que precisava para se desenvolver, sem o receio de ter tempo e espaço roubados pelo seu maior vilão. Mas, claro, a cena final inesquecível deixou todo mundo ansioso para a continuação. Gordon chama o Bats e entrega a ele algo que encontraram em uma cena de crime: uma carta de baralho do Coringa.
Antes mesmo do lançamento de Begins, David Goyer havia redigido um esboço para duas continuações do filme. A intenção do roteirista era apresentar o Coringa e Harvey Dent no segundo filme e que o Coringa fosse o responsável por desfigurar Dent, tornando-o o Duas Caras, em seu julgamento no terceiro filme.
Como sabemos, as coisas mudaram e o arco de Harvey Dent acabou se tornando completo na sequência, O Cavaleiro das Trevas, de 2008. Na realidade Nolan queria que a trama focasse na origem do Duas Caras e na ascensão ao poder do Coringa. Exatamente por isso a origem dele não é mostrada, se resumindo aos relatos desconexos que ele faz sobre suas cicatrizes.
A escolha do ator foi então polêmica: Heath Ledger. Hoje em dia temos noção do trabalho impecável feito, mas na época, Ledger era apenas o galãzinho de 10 Coisas que Odeio em Você. O público caiu de pau em cima, com críticas que iam desde questionar a capacidade interpretativa do ator até comentários preconceituosos devido a sua atuação em O Segredo de Brokeback Mountain.
Ledger , no entanto, era a principal escolha de Nolan desde o início para o papel. Ator e diretor haviam se conhecido durante o processo de seleção de elenco de Batman Begins, no qual Heath Ledger fez o teste para ser Bruce Wayne. Durante os testes para o Coringa, vários atores se mostraram relutantes em assumir o Coringa, com medo da popularidade que Jack Nicholson conquistou com sua versão. Após a escalação, quando questionado do por quê ter chamado Ledger, um ator tão improvável para interpretar o vilão, Nolan simplesmente respondeu: “Porque ele não tem medo”.
Quando a primeira foto do Coringa de Ledger foi revelada, o mundo se calou. Pesado, diferente, fora do que qualquer um esperava. A aparência do vilão estava muito diferente do que estávamos acostumados, não lembrando nem vagamente suas versões anteriores.
De fato, para se preparar para o papel, Ledger se trancou em um quarto de Motel por seis semanas, se aprofundando na psiquê do personagem. Ele criou cada tic nervoso, cada maneirismo, a risada insana e a forma de falar, que ele procurou distanciar totalmente do que Nicholson havia feito. A interpretação do ator é caótica e lembra uma mistura de Sid Vicious (do Sex Pistols) com o Alex, de Laranja Mecânica.
Ledger se tornou tão íntimo ao papel que aparecia vestido e maquiado mesmo em dias que não tinham cenas suas para serem gravadas. Michael Caine, o Alfred , não conhecia o ator pessoalmente, e disse que sua primeira visão do ator como o Coringa em cena foi tão assustadora que ele esqueceu suas falas. O mesmo ocorreu com Maggie Gyllenhall, a Rachel Dawes. Na cena em que o Coringa invade a festa de Bruce Wayne e ameaça Rachel com uma faca foi a primeira vez que a atriz viu Heath como o vilão. Quando o Coringa se aproxima dela e diz “olhe para mim”, isso foi improviso do ator. Ele notou que Maggie estava tão assustada que evitava olhar para ele.
E vocês já notaram como ele fica lambendo os lábios o tempo todo? Esse maneirismo foi adotado por Heath Ledger no personagem pois ele se sentia desconfortável com as próteses de maquiagem das cicatrizes, e Nolan sentia que aquilo era bastante incômodo e bizarro.
A cena final do Coringa, em que ele é preso pelo Batman ao cair do edifício, remete tanto ao final do primeiro Batman de Tim Burton – aqui evitando a morte do vilão ao invés de permitindo-a – quanto a edição 1 do herói, em 1940, em que o Coringa iria morrer na sua estréia, mas o editorial não permitiu e ele acaba sendo salvo da mesma maneira pelo morcego.
Todo esse trabalho sensacional de Heath Ledger não teve tempo de ser reconhecido. A única cena que o ator viu pronta de sua inesquecível versão do Coringa foi a cena do assalto. Os seis minutos que iniciam o filme estavam finalizados quando Ledger assistiu, antes de sua trágica morte, ainda em 2008. A atuação foi tão marcante que rendeu um Oscar póstumo por melhor personagem coadjuvante, além de inúmeros outros prêmios, como o Globo de Ouro, o BAFTA, o Saturn Award e do Australian Film Institute.
A pergunta que fica é: se aos 28 anos apenas, Heath Ledger já conseguiu uma atuação tão impressionante e memorável quanto essa, imagine o que a sua carreira não reservaria para ele, caso o destino não tivesse sido tão cruel.