Cuckoo


Na semana passada compartilhei com você, amigo leitor, meu apreço pela série Brooklyn 99, estrelada por Andy Samberg. Inteligente como é o algoritmo do Netflix, ele me apresentou novas sugestões baseadas no seriado, e conheci outra grata surpresa. É a série britânica Cuckoo, protagonizada também pelo ex-Saturday Night Live.

O programa acompanha uma típica família inglesa, os Thompson, que vive na pequena cidade de Lichfield. Formada pelo reservado pai Ken (Greg Davies), a mãe descolada Lorna (Helen Baxendale, a Emily de Friends), o filho Dylan (Tyger Drew-Honey) e a filha Rachel (Tamla Kari). Tudo começa quando a família vai buscar Rachel no aeroporto, após um ano sabático que ela decidiu tirar antes de entrar para a faculdade, e descobre que ela se casou nesse meio tempo, com o peculiar Cuckoo (Samberg).

Cuckoo é um americano que largou tudo para trás, se encheu de drogas e passou a viver como um guru hippie místico, que não quer saber de trabalho e deseja distribuir pelo mundo seu conhecimento e amor.

A partir disso a série se desenrola no formato já conhecido de sogro vs. genro. Cuckoo é uma alma livre, totalmente desprendido de convenções sociais, o oposto de Ken, um advogado tradicional e que gosta de organização e planejamento.

Esse formato de narrativa é bastante manjado. Já vimos em filmes como “O Pai da Noiva”, na franquia “Entrando numa Fria”, “A Família da Noiva”, no recente “Tinha que ser Ele?”… Tanto que, visto de uma vez só em maratona, fica claro que Cuckoo poderia facilmente ser um filme, ao invés de um seriado.

O ponto positivo e que agrega muito à fórmula é a existência de vários subplots, como os vizinhos chatos dos Thompson, Steve e Connie; a obsessão de Dylan com a filha do casal, Zoe; além das próprias histórias de Lorna. Isso dá mais sustância aos sete episódios que formam a temporada, permitindo que a trama não fique repetitiva, em um eterno gato e rato entre sogro e genro.

Aliás, a dinâmica entre eles também se distancia os exemplos citados anteriormente. Na maioria das vezes, temos um genro inseguro tentando impressionar um sogro possessivo e ciumento. Não é o caso. Ken não faz às vezes de pai superprotetor ou mandão. Nada de gorila da bola azul aqui. Por mais que tenha ficado surpreso e contrariado com o matrimônio precipitado da filha mais velha, ele jamais é retratado como um De Niro frente ao Ben Stiller. Em contrapartida, Cuckoo em nada lembra os candidatos a genro inseguros, que buscam desesperadamente a aprovação do patriarca da família. Pelo contrário, ele é decidido, muito seguro, e bastante espaçoso. Impossível em algum momento nós não darmos certa razão à antipatia que Ken vai desenvolvendo pelo genro ao longo dos episódios.

Mas isso é passageiro. Cuckoo é quase uma força da natureza, que cativa a todos ao seu redor. Se de cara ele conquistou e deixou Rachel completamente apaixonada, com pouco tempo a mãe Lorna logo se encanta com o jeito maluco do marido da filha. Com a entrada de novos personagens ao longo da trama, todos acabam se apaixonando pela personalidade livre e cativante de Cuckoo, o que deixa Ken cada vez mais injuriado.

Se há um defeito, é a personagem Rachel. Como na maioria dos filmes que tratam desse tema – o novo genro sendo apresentado para a família -, o foco é todo no genro e no sogro. Rachel, a filha/esposa é apenas a motivação, o McGuffin que leva a história. Ela é o troféu disputado entre Ken e Cuckoo, e não tem nada muito desenvolvido. Sua personalidade é basicamente copiar a forma de pensar e agir de Cuckoo, e ser a filhinha do papai para Ken.

Quem assistir Brooklyn 99 vai perceber que Andy Samberg se redime disso em um episódio bem específico, que também trata desse tema clichê e recorrente.

A primeira temporada foi bem sucedida, o que levou a sua renovação, porém um problema surgiu: exatamente Brooklyn 99. Andy Samberg fechou com a Fox para estrelar a série policial, o que acabou acarretando num “soft reboot” de Cuckoo na sua segunda temporada.

Cuckoo sai de cena, com um motivo totalmente condizente com a personalidade do personagem, e em seu lugar entra Dale, vivido pelo ex-lobinho Taylor Lautner.

Dale é o filho desconhecido de Cuckoo, que deixa a comunidade alternativa em que foi criado para buscar o pai. E assim ele acaba aparecendo na porta dos Thompson, e sendo “adotado” pela família.

Lautner constrói um personagem divertido, que apesar de também despontar como um esquisitão dentro daquele ambiente, tem uma dinâmica muito diferente da de Samberg. Se Cuckoo era desafiador, sem controle e expansivo, Dale é um personagem mais ingênuo, mas que por ter sido criado dentro de uma seita maluca, tem uma visão completamente distorcida e bizarra do mundo. O relacionamento entre o “novo Cuckoo” e Ken também muda muito. Em alguns momentos, diria que perde bastante da graça. Agora não existe mais rivalidade entre os protagonistas, mas um relacionamento mentor/tutor. Continua engraçado, mas realmente fica parecendo que se trata de um programa completamente diferente.

Inclusive porque encerra a temática “O Pai da Noiva” e parte para uma temática mais “ALF”. Dale entre os Thompson me lembrou muito aqueles clássicos filmes e séries em que alguém de uma cultura completamente diferente tem que se adaptar a uma vida mais comum. Splash, uma sereia em minha vida; Meu Marciano Favorito; Um Hóspede do Barulho

Isso não faz o personagem de Taylor Lautner ser ruim, ao contrário. Dale, e sua ingenuidade quase infantil, é bem o oposto de Cuckoo, mas também rende momentos hilários e cativantes.

Essa sensação de que você está vendo outra série aumenta também com a troca da atriz que faz a Rachel, agora interpretada por Esther Smiths. Nem a atriz nem a personagem em nada lembram a Rachel da primeira temporada. Agora ela tem uma personalidade, trama própria, desenvolvimentos pessoais e não é mais apenas um elemento de roteiro. Se Dale assume um papel de protagonismo muito menor que seu pai Cuckoo, Rachel cresce muito em relação da forma que era retratada.

Cuckoo é uma série gostosa de assistir. O humor mistura o non-sense britânico com o modo mais americano de comédia de Samberg, e depois do surpreendente Lautner, o que rende episódios muito engraçados.

Cuckoo já tem três temporadas completas na Netflix e a quarta está em exibição na BBC, devendo entrar para o catálogo do serviço de streaming até o final do ano.

Designer gráfico por vocação, publicitário por formação, filósofo por piração.

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