Senador Kefauver: Aqui está a edição de maio, a número 22. Parece ser um homem com um machado ensanguentado, segurando a cabeça de uma mulher que parece ter sido decepada de seu corpo. Acha que isso é bom gosto?
Willian Gaines: Sim, senhor, acho, por ser a capa de uma revista de terror. Uma capa de mau gosto poderia ser, por exemplo, do mesmo homem segurando a cabeça da mulher um pouco mais acima mostrando o pescoço pingando sangue. Também o corpo da mulher poderia estar um pouco mais à frente, fazendo com que o pescoço sem a cabeça aparecesse mais, mostrando ainda mais sangue.
Trecho do depoimento de Willian Gaines
ao Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado Americano.
Ainda no início dos anos 40, a indústria de quadrinhos estava sendo bastante criticada pelo seu conteúdo e seus potenciais efeitos negativos para as crianças. Mas a situação foi de certa forma encabeçada e certamente potencializada pela publicação de dois artigos do Dr. Fredric Wertham em 1948: “Horror in the Nursery” e “The Psychopathology of Comic Books”. À época, alguns crimes cometidos por adolescentes se assemelhavam aos vistos nas histórias em quadrinhos, o que fez os pais olharem com maus olhos para os comics (numa situação não muito diferente de polêmicas mais recentes, relacionados à jogos eletrônicos e RPG).
Mas foi realmente em 1954 que a coisa ficou feia, com a publicação do famigerado “A Sedução do Inocente”, do mesmo autor que publicara aqueles dois artigos anos antes. O que aconteceu é que Wertham, percebendo que seus piores pacientes eram leitores de quadrinhos, deduziu que eram estes que estavam levando os jovens à delinqüência (o que, para a época, seria mais ou menos o mesmo que hoje em dia um psiquiatra resolver dizer que os piores pacientes dele jogam vídeo-game e por isso os games são a causa do problema deles). Somando a isso, a criação de uma audiência do congresso americano sobre delinqüência juvenil, altamente divulgada e que acabou colocando os quadrinhos em sua mira, fez com que a indústria de quadrinhos estremecesse, prejudicando distribuidoras de quadrinhos e colocando editoras fora do negócio. Estava criado o Comics Code Authority, selo que serviria como ferramenta para regulamentar o que podia e o que não podia ser colocado em uma história em quadrinhos.
Willian Gaines e a EC Comics foram provavelmente os maiores prejudicados, já que eventualmente o selo passou a ser o que os perseguidores dos quadrinhos queriam: uma arma para censurar tudo o que eles quisessem. E o “tudo o que eles quisessem” era bastante abrangente e incluía situações absurdas, como a proibição do uso das palavras “horror”, “terror” e “weird” (algo como “esquisito”, “estranho”, em tradução livre) nas capas de qualquer comic. Quando, por conta disso, distribuidores se recusaram a distribuir muitas das revistas da EC (algumas inclusive das mais famosas e vendáveis), Gaines encerrou a publicação de suas 3 revistas de terror e seus dois títulos “SuspenStory”. Tudo isso ainda em 1954.
Para tentar sobreviver, a EC mudou o foco das suas revistas para histórias mais realistas como M.D (sobre medicina) e Psychoanalysis. Também renomeou suas revistas de Sci-fi remanescentes mas, já que as edições iniciais não carregavam o selo do Comic Code, os revendedores se recusaram a vendê-las. Após consultar sua equipe, Gaines, mesmo relutante, enviou as HQs para avaliação do Comic Code e então todos os títulos desta “nova direção” da EC receberam o selo a partir das segundas edições, mas as revistas não tiveram boas vendas e acabaram sendo canceladas em poucas edições.
Na próxima Madrugada:
Uma mudança na coluna, as batalhas travadas pela EC Comics e o fim desta sequência de matérias em A História da EC Comics – Derrota.