Não se pode impedir que histórias sejam contadas.
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“- Tem um final feliz? – Desculpe, não podemos garantir isso.” |
Como é gratificante mergulhar em um mundo de fantasia e nonsense, no melhor sentido da palavra. Terry Gilliam (Monty Phyton) nos trás o poder da imaginação dentro, parafraseando o mestre Zé Ramalho, uma peleja “entre o diabo e o dono do céu”, com um único prêmio: a bela Valentina.
Eu sou fascinado por obras que tratem da imaginação humana e seu poder de dar esperança e liberdade aos meros mortais. E em Parnassus somos levados ao máximo disso, mostrando-nos que nossas escolhas que guiam nosso destino e não poderes além de nossa compreensão. Como diz o velho Doutor: “Há tres regras básicas: Não existe magia negra, são só truques baratos e me esqueci das outras”.
Sinopse: Na história, o Dr. Parnassus (Christopher Plummer) tem o dom de inspirar a imaginação das pessoas. Dono de uma companhia de teatro itinerante, ele conta com a ajuda de seu assistente Percy (Verne Troyer) e do mágico Anton (Andrew Garfield) para oferecer ao público a chance de transcender a realidade e entrar em um universo sem limites, o qual pode ser alcançado ao atravessar um espelho mágico. Tony (Heath Ledger) – batizado em “homenagem” ao ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, descrito por Gilliam como um cara que “diria as coisas mais insanas e provavelmente acreditaria nelas”, por aí você tira – foi encontrado pela trupe dependurado em uma ponte, à beira da morte. Após ser salvo, ele passa a integrar a equipe, como forma de escapar de seu passado. Em uma tentativa de modernizar o show, ele termina por conhecer o novo mundo oferecido por Parnassus e passa por diversas transformações no decorrer de sua viagem. Só que esta mágica tem um preço e ele está perto de ser cobrado ao dr. Parnassus: sua preciosa filha Valentina (Lily Cole).
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Mr. Nick: “Nunca me envolvi muito com essa coisa de magia negra” |
O filme é uma viagem à imaginação humana, um mundo de fantasias e surrealidade tão desconhecido como o mais distante espaço cósmico. Dentro do universo de Parnassus vemos como a fantasia, imaginação, já não tem lugar no nosso mundo escuro e frio de hoje.
Gilliam põe em sua obra um jogo de metáforas e representações tanto em falas quanto caracterizações de personagens. Seu Doutor leva consigo toda uma carga divinal, com ares de
Merlin ou
Mágico de Oz. Um homem misterioso, com incríveis dons que esconde grandes segredos.
Seu adversário, antítese, como queira chamar, é encontrado na figura do Sr. Nick (Tom Waits), que entre tantos significados em inglês, desde corte até apelido, é uma forma de sinônimo para Diabo. Este personagem desde sua primeira aparição trazendo todo um simbolismo que reforça o seu caráter de “espírito maléfico”, seja em sua forma suave, porém traiçoeira, de falar e se mover ou na vestimenta preta constante.
A relação dos dois personagens pôe em tons ainda mais forte esse embate entre o sagrado e o profano, o divino e o demoníaco, no filme, com dois pontos de movimento da história sendo regidos por uma aposta entre Parnassus e Nick. A primeira por 12 discípulos e a segunda por almas humanas. A obra segue com um tom a lá Auto da Compadecida posto logo no inicio do filme, ao vermos o trailer de apresentação circense do velho Doutor, que trás escrito: “Parnasus – o homem que quis enganar o diabo”.
Ao longo do filme, outros elementos tocam novamente na discussão teológica, principalmente nos questionamentos feitos por Tony. Em um desses momentos, o personagem de Ledger pergunta a Anton: “Se o Doutor Parnassus pode controlar a mente das pessoas por que ele não domina o mundo?”, tendo como resposta: “Ele não quer dominar o mundo, ele quer que o mundo se governe”. Bem dentro de lógicas filosóficas menos fundamentalistas e doutrineiras de algumas religiões.
Ainda sobre esses dois personagens, achei bem claro a busca do diretor de ressaltar suas funções dentro da história através da caracterização física. Tony sempre de branco como um tipo pastor, mediador entre a sabedoria divina e os indivíduos, enquanto Anton surgido em seu inicio travestido do
Deus Grego Mercúrio, o mensageiro dos deuses.
Apesar dos dois terem um papel de mensageiros na história, fazem sua função de forma bem distinta. Ledger como um falso-profeta, que nem acredita no que está dizendo, enquanto Garfield como um mensageiro não para a plateia do espetáculo, mas sim para os personagens ao seu redor, tentando levar a sabedoria acima dele para clarear a mente de quem ama.
Alias uma das sequencias mais divertidas e simbólicas do filme trata exatamente da transformação da religião em espetáculo. Quando vemos que só após uma repaginada, colocando um tom de show gospel, a apresentação da trupe Parnassus começa a ter sucesso.
Além de toda essa carga simbólica, filosófica, a direção de arte, as atuações – destaque pro carima nerd básico do atual Homem-Aranha -, os figurinos, a computação gráfica, tudo é bem dosado e fantástico de fato. Gilliam mostra com muito sucesso o que sua mente, e imaginação, surreal pode criar – passando por mãos com cabeças a algas espaciais – de uma forma natural e dentro do contexto da história.
Cavalgando entre temas como religião, livre arbítrio, sinais, entre tantos outros, a obra de Gilliam acabou sendo muito eclipsada pela morte de seu protagonista: Heath Ledger, obrigando o diretor a reformular a história e aproveitar o teor fantasioso para substituir o rosto em tela, mas não à essência do personagem. Ledger como todo mundo sabe faleceu pouco antes da estreia de Batman The Dark Knight e no meio das gravações de Parnassus, com muita coisa para ser concluída.
Mas, para sorte de Gilliam, e nossa, o que não se passava no mundo da imaginação ele tinha já realizado, então a saída foi utilizar outros atores para serem o “avatar” de Ledger no Imaginarium. Assim, entraram para “substituir” o falecido ator Jonnhy Depp, Judd Law e Colin Farrel, que acabou criando uma boa questão para se refletir: na minha imaginação, por que devo ser eu mesmo?
Depois de tudo isso, ainda faço uso desse espaço para deixar meu apreço e babação descarada pela
Lily Cole (Valentina), que não só atua bem, como é de uma beleza com ares de rebeldia fantástica, para não perder o trocadilho, pelo menos pra mim.
Enfim, recomendo o filme para quem curte um filme mais surrealista e filosófico, ou pela simples curiosidade de ver o último trabalho do Coringa do Nolan – o que seria um desperdício de tempo. Vale a pena ,é divertido, emotivo, e belo esteticamente. Por tudo isso e muito mais, o filme merece ser apreciado, degustado e refletido. Afinal, Parnassus é um homem que quis enganar o diabo, mas descobriu muitas verdades dentro de mentiras.
O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (2010)
Duração: 2h2min
Direção: Terry Gilliam
Elenco: Heath Ledger, Johnny Depp, Jude Law, Christopher Plummer, Andrew Garfield, Lily Cole, Tom Waits e Verne Troyer.
Gênero: Fantasia, Aventura
Nacionalidade: França, Reino Unido, Canadá
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