Foto: Assessoria |
Os eventos de quadrinhos no Brasil têm crescido bastante nos últimos anos, contudo, boa parte deles se concentram no eixo Sul-Sudeste. Aqui no Nordeste eles ainda são poucos, mas começam a surgir. Um bom exemplo é a Feira de Literatura e Quadrinhos de Natal/RN, que aconteceu entre os dias 23 e 26 de outubro, nas dependências da UFRN (sim, estou atrasado).
Organizada pelo Instituto Cultural e Audiovisual Potiguar, A FLIQ teve esse ano sua segunda edição, ampliando-se e trazendo convidados diversos. Ela é em grande parte voltada de fato para a literatura, pode-se perceber bem isso com o numero de stands para livros e só 1 para quadrinhos – inclusive de produtores locais, a única editora com stand próprio era a abril, e não vendiam nada, só assinaturas, o que acho uma tremenda burrice.
Mesmo assim, o evento teve boas palestras sobre a nona arte e lançamentos de obras. Entre os convidados desse ano o editor da Mauricio de Sousa Produções, do Universo HQ e “arroz de festa”, Sidney Gusman, o bahiano Flávio Luiz, autor de Aú, o capoeirista, O Cabra, Jayne Mastodonte e Rota 66; Gustavo Duarte (CÓ!, Taxi, Birds e Monstros); Henrique Magalhães, criador da personagem de tiras Maria e da editora independente Marca de Fantasia; Mauricio Ricardo, cartunista, animador e criador do site Charges.com.br
Pavilhão do evento |
Dos quatro dias do Fliq acompanhei uma parte do primeiro dia, o segundo e terceiro dia, e devo dizer que apesar de pequeno o espaço estrutural para a feira – devo realçar que ela ocorre integrada a Cientec (Semana de Ciência Tecnologia e Cultura) da Universidade Federal – foram bem produtivas as discussões e bem receptivas as pessoas participantes da organização.
No primeiro dia me deparei com uma palestra sobre Boards Games, o que na minha época de infante era chamado de Jogos de Tabuleiro. Após ela o desenhista e roteirista Flávio Luiz falou sobre o seu processo de criação de personagens, e assim, como o Gustavo Duarte que também palestrou sobre o mesmo tema, foi bem interessante ver como pensa a mente de um desenhista na hora de criar algo. Os dois foram os participantes também da mesa Não perca a piada: fazendo quadrinhos de humor.
Gustavo Duarte (Foto: Assessoria) |
O Gustavo, que é chargista e recentemente foi despedido pelos imbecis (ele mesmo disse isso) do jornal O Lance, ressaltou as dificuldades que os chargistas tem dentro dos jornais. Segundo ele, os editores não procuram conhecer sobre charges, HQs, caricatura, ilustração, para eles é tudo a mesma coisa e são fáceis e rápidas de se fazer. Ponto que ampliou para todo fazer jornalístico, onde, em sua opinião, a pouca curiosidade e vontade de aumentar conhecimentos. “O jornalista está matando o jornalismo”, encerrou.
Outro ponto debatido pelos dois autores, foi os tais editais de incentivo a cultura, que tem nos últimos anos dado espaço para produtores de quadrinhos mostrarem seus trabalhos. Foi consenso no discurso tanto do Flávio quanto do Gustavo que o problema está em quem são colocados para avaliação das propostas, os jurados, que muitas vezes não conhecem de quadrinhos, nem do mercado dele, e barram boas propostas até. Flávio Luis conta que o analista da lei de incentivo na Bahia não aprovou seu projeto porque seu nome aparecia demais, isto é, ele era o roteirista, desenhista, assessor de imprensa, etc., alegando que o “Mauricio de Sousa faz tudo sozinho”.
Sidney Gusman, o Sidão. |
Falou de Mauricio de Sousa, não tem como ir direto para a palestra promovida pelo Sidney Gusman – que agora pude tirar a prova do que sempre falavam dele: um cara muito simpático, acessível e gente fina. Intitulada O Universo dos Quadrinhos, a mesa falou de sua experiência jornalística a frente do Universo HQ e como editor do selo MSP.
Entre os pontos abordados, ele falou da aventura que foi iniciar como auxiliar no site UHQ, e a montagem de equipe quando os acessos e a “chamada as armas” surgiram. Mas, antes disso, contou sua entrada no jornal O Globo fazendo matérias sobre música, tentando interligá-la aos quadrinhos, enquanto até trabalhou de graça (algo que, infelizmente, é bem comum no inicio de carreira de qualquer jornalista).
Mas, o que me chamou mesmo a atenção nas falas do Sidão, mostrando sua trajetória até o Mauricio de Sousa e se tornar editor lá, é que ele sempre foi de fato um apaixonado pelos quadrinhos. Acumulou ao longo de anos e anos muita experiência para saber os melhores caminhos e, para mim, mostra como é importante um editor ter visão “além do alcance”, pensar grande e se preocupar com formação de público.
Eu e o Sidão, vestido de “Laranja Mecânica” Holandesa |
Ele diz que logo ao entrar na empresas do Mauricio, propôs a criação de bonecos gogos (cabeças grandes em corpos pequenos) e outros produtos para fortalecer a marca na mente dos consumidores – sendo muitas vezes desmerecido por pessoas do próprio marketing da Panini, editora que abriga as revistas da MSP.
Aliás, eu sempre admirei o Sidney por seu tino marqueteiro, quem o acompanha nas redes sociais pode ver bem como ele sabe usar essas novas mídias para trabalhar os produtos que vende. Mas, ao mesmo tempo, não parece ser alguém que se vende tanto. Para quem vive no meio, diz ter duas graphic novels na gaveta que nem sabe se saírão de lá um dia, e pouco fala sobre seu roteiro que saiu em uma das edições em homenagem aos 50 anos de Mauricio de Sousa.
Gusman ainda falou sobre a importância da Turma da Monica Jovem como forma de manter o leitor dentro do mercado, um jeito de ser transição entre o infantil para o adulto. O editor terminou a conversa fazendo uma convocação ao público: “dê um quadrinho de presente para quem não lê!”, declarou.
Mesa “Independencia é vida!” |
Na programação ainda pude ver a mesa redonda “independência é vida!”, com Henrique Magalhães, Flávio Luiz, e a equipe local da K-Ótica, coletivo produtor de quadrinhos de terror. A conversa girou em torno não só das dificuldades de produção independente no país, mas também de como esse tipo de produção é criativa por conta de estar livre das amarras do “mainstream”, e como o próprio mercado começou aos poucos se apropriar dos artistas e temáticas do universo independente.
O último bate papo que acompanhei foi a homenagem ao grande estudioso dos quadrinhos no Brasil, Moacy Cirne. Além dos professores José Verissimo e Henrique Magalhães, estava falando sobre os contatos e importância de Cirne, Sidney Gusman.
Eu não conhecia pessoalmente o Moacy, mesmo tendo lido várias obras dele e ele tendo sido o primeiro autor que falava sobre quadrinhos que comprei, com o livro Quadrinhos, Sedução e Paixão. O senhor já de idade avançada, saúde não tão boa, de cabelos brancos, fala mansa e com aquela conhecida, divertida, e viva memória não linear, contou “causos” de sua vida como jornalista e como acadêmico.
Da esquerda para direita: Moacy Cirne, José Veríssimo, Sidney Gusman e Henrique Magalhães |
Nascido em Caicó, interior do Rio Grande do Norte, formado professor no Rio de Janeiro, Cirne lembrou os tempos de criança quando aprendeu a ler com os quadrinhos, a mudança para o Sudeste, quando se desfez de toda sua coleção e da entrada na editora Vozes.
Porém, antes desse momento, aconteceu um ato de repúdio a Fundação José Augusto pelo não repasse do dinheiro respectivo ao Prêmio Moacy Cirne de Quadrinhos, que teve acordo feito, resultado divulgado há quatro anos e até o momento nenhuma liberação.
Foto: Assessoria |
Por fim, pude comprar e ter os autógrafos nas edições de Monstros, de Gustavo Duarte, e O Cabra, de Flávio Luiz. Encerrando minha ida a FLIQ desse ano.
Foto: Assessoria |
Como analise do que vi, achei muito bom dentro das condições de estrutura, financeira e culturais que se tinha e se tem na cidade. Espero que o evento cresça, e de preferência consiga sair da Cientec, tornando -sealgo mais independente. Infelizmente, sabemos que tal passo é complicado, visto o pouco interesse que normalmente governos municipais e estaduais, ainda mais aqui no Nordeste, tem nesse tipo de investimento, e nem falo do empresariado.
Se quiserem ver um pouco mais das palestras e mesas ocorridas, uma das organizadoras pôs em seu canal no youtube algumas gravações, só clicar aqui.
Mas, ainda não esgotei o assunto. Semana que vem trago para vocês a parte mais literária e cientifica do evento, relatando palestras com nomes como Xico Sá e Humberto Gessinger.
Fiquem com algumas imagens (os tradicionais cosplays) e até a semana que vem!