Irmão Olho

O Ano é 1998, estou sentado em uma cadeira numa sala de aula. Um amigo me chama na porta e me entrega 12 revistas com capas bem coloridas, quatro anos antes estou parando em uma banca de revista e compro meu primeiro gibi, algumas horas depois estou sentado em minha cama lendo os quadrinhos que meu amigo me emprestou. Onze anos depois estou numa cadeira de cinema ouvindo Nat King Cole cantando Unforgettable enquanto “Pagliaci” é assassinado na tela, esse homem é um Comediante, o mesmo que vi o desenho onze anos atrás. Meus olhos brilham, é como se tudo fosse uma piada, uma simples piada, eu sorrio sem saber por que.

Em 2000 era lançado nos cinemas o filme X-Men, o pontapé para uma nova fase das adaptações de quadrinhos na “tela grande”, de lá para cá todo tipo de filme sobre o gênero vimos passar. Desde obras primas cuidadas como um bebê recém-nascido, até excrementos de fim de festa vomitados por bêbados sem bom senso. Passados nove anos desse novo boom quadrinhístico no cinema começamos a ver um possível novo caminho para esse tipo de filme, um lado mais “adulto” (tenho medo sempre de usar essa palavra) de se pensar o mundo dos super-heróis. Em Homem-Aranha 2 acho já tínhamos uma tentativa de mostrar uma outra faceta do herói, e em Batman O Cavaleiro das Trevas explodiu-se de vez esse caráter mais sombrio e realista da vida de um tipo de louco que se veste de colante e sai esmurrando bandidos.

Watchmen de Zack Snyder tenta passar bem esse lado de ridicularidade da idéia de alguém se tornar um super-herói como de um gibi, claro que a genialidade não é do diretor, mas sim do genial Alan Moore que concebeu a HQ dentro dessa lógica, assim como os conceitos de critica a degradação da sociedade, o que é ser realmente um herói e por aí vai (senão ficamos a vida toda aqui falando de tudo que a revista tem). Snyder tomou para si a dura missão de pegar tudo isso e dar vida, tentar encaixá-lo dentro das lógicas de outra mídia, aqui devemos citar que Moore e David Gibbons (desenhista) facilitaram muito sua vida criando uma história bem cinematográfica. Se você está lendo esse texto louco para saber se ficou bom, te digo que em minha humilde opinião a resposta é: Sim e Não. Confuso? Explico.

Penso que adaptar Watchmen pros cinemas já em sua idéia é algo impossível, são tantas subtramas, subtextos, referências, que teria que ter no mínimo (e bota mínimo isso) dois filmes, ou, como todos sempre dizem: uma minisérie de doze episódios de uma hora cada, e ainda sim perigava de não ficar completo. Vendo isso, e sabendo que a Warner ia fazer de qualquer jeito, Snyder assumiu o projeto, imagino eu, com o intuito de ser o mais respeitoso a obra original, e ele foi.

Vemos muita fidelidade, em textos, imagens, situações, ao que Moore fez, com momentos já inesquecíveis – como a abertura, a já citada morte do Comediante, todas as passagens de Rorscharch – uma preocupação de contextualizar bem o espectador com a história, caracterizar bem os personagens – tirando o Adrian Veidt que por algum motivo desconhecido não foi um tipo de porte físico atlético, com ar de superior, até para ficar mais crível dentro da sua função na história – em suma, como adaptação se saiu muito bem.

Agora, como filme ele pega em algumas coisas. Snyder exagera em algumas cenas, principalmente no que tange a excesso de sangue e gags de comédia – como a cenas sexuais do Coruja e Espectral (por sinal, ela é muito jovem pro papel, mas longe de mim reclamar disso), não cria um apelo emocional do público com a população de Nova York que esta fadada a morrer, e uma das grandes criticas feitas a ele de que o final fica muito apressado, acho que deviam criticar era a Warner que não deixou se fazer dois filmes: o primeiro mais denso e político, e o segundo mais cheio de ação –tipo um Kill Bill da vida. Isso tudo pelo medo de não ter bilheteria suficiente, eu mesmo acredito que Watchmen – O Filme (fizeram de novo!) não será um sucesso de bilheteria, porém, arrebentara nas vendas de DVD´s, onde veremos o Conto do Cargueiro Negro, os extras inspirados no livro fictício de Hollis Masson, além das cenas cortadas. Ah, tem algo que merece um parágrafo único: O famigerado “final elegante”.

Todos sabem que na HQ um monstro gigante explode e leva Nova York junto, e que o diretor do filme resolveu mudar esse final por achar que não se adequava dentro do cinema. E quer saber? Ele está certo. O final original é perfeito nos quadrinhos por levar o medo no mundo de uma invasão alienígena que só poderia ser detida com a união de todo as nações, uma idéia de invasão bem comum nos quadrinhos e na mente da época, mas pensem comigo: um mostrengo surgindo na tela e explodindo NY tornaria necessário colocar muitas coisas da revista (como a idéia de engenharia genética, o desaparecimento dos cientistas e artistas), e Snyder queria se focar nos heróis e como as coisas estavam terrivelmente indo pro buraco.

Então, para economizar tempo, coloca-se a culpa de um ataque as principais capitais do mundo (boa sacada, já que leva o terror a todo lugar) em um tido “Deus” punidor – que mostrou a todos o horror que é quando bombas atômicas explodem e isso poderia ter sido feito pelos próprios humanos – e assim as guerras cessam, as hostilidades param não para se unirem, mas por medo da punição (pelo menos foi assim que entendi a coisa toda). Me lembra muito até um livro de Arthur Clark chamado O Fim da Infância, onde Extraterrestres chegam a Terra e obrigam o mundo a parar com a violência e guerras ou seriam punidos. E convenhamos, os tempos são outros, é bem em pauta o uso devido de novas formas de energia, no filme Veidt utiliza indefinidamente um poder que poderia salvar o mundo, principalmente depois que seus patrocinadores tentam o impedir de criar essa salvação.

Enfim, Watchmen me agradou muito, uma das melhores adaptações (no sentido real da palavra) de um HQ, um dos filmes de heróis que mais tiveram momentos que me emocionaram. O filme tem erros? Tem sim, afinal se ter Hollywood e adaptação de quadrinhos numa mesma frase sabe-se que não se sai perfeito – ainda mais que Batman The Dark Knight já tomou o posto de raridade em um milhão nessa década – contudo, entretanto, vale muito a pena ver e ter depois na coleção.

PS: Apesar de algumas momentos equivocados, a trilha sonora é maravilhosa, traz uma emoção a mais em algumas cenas. Os slow motions, marca registrada do diretor, nem atrapalharam tanto (mérito de ter poucas cenas de ação). E lhe peço, não vá ver o filme com olhos de fanboy, releve e seja feliz! Ah, faltou colocar um link para um texto meu de 14 de Novembro do ano passado, onde fazia minhas expectativas sobre Watchmen, e se confirmaram.

Nota: 08

A polêmica continua lançada, agora podem jogar as pedras!

Por Marcelo Soares

Podcast, Quadrinhos, CInema, Seriados e Cultura Pop

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