Retalhos e os Quadrinhos Biográficos

A Biografia é um gênero literário em que o autor faz um o relato da vida de uma pessoa e dos aspectos de sua obra, freqüentemente abordados de um ponto de vista crítico e não apenas historiográfico. Como todo gênero literário, assumiu diversas formas de expressão ao longo do tempo. Uma dessas formas de expressão, e que hoje em dia está bem em alta, é a biografia através de histórias em quadrinhos. 

Confesso que nunca fui muito de ler quadrinhos desse estilo, durante minha adolescência me detive nas HQ´s de super-heróis, passando por ficções espaciais e até mangás de aventura. Só com os vinte e poucos anos batendo a porta comecei a ler obras que retratavam mais o cotidiano e o intimismo do ser humano. Porém, o que me despertou o interesse pelas histórias em quadrinhos de biografia foi algo fora (nem tanto assim) do mundo da arte seqüencial: o cinema documentário.
A menos de três anos comecei a conhecer e ver mais filmes documentários, obras que tratam de personagens reais, situações de nosso mundo, buscando desnudar, também com um pouco de poesia, momentos e pessoas que muitas vezes passam despercebidos por nossos olhos no dia-a-dia. Nunca li Maus de Art Spielgeman, um clássico desse gênero de quadrinho biográfico, também nunca li Robert Crumb que já nos anos 70 mostrava a vida submunda dos Estados Unidos, junto a outros nomes do underground. Talvez, o mais próximo de biografia que tenha chegado num passado tenha sido Joe Sacco e seu jornalismo em quadrinhos. Onde, ele retrata a vida e os problemas de locais como Palestina e Gorazde, dando um caráter jornalístico, não sendo tanto assim uma biografia.
Nos últimos anos várias obras têm chegado às bancas e livrarias contando os problemas e aspectos da vida de pessoas, muito deles os próprios desenhistas ou escritores. Histórias como Fun Home, escrita e desenhada pela quadrinista estadunidense Alison Bechdel, e Modotti – Uma mulher do século XX, de Angel de La Calle, e obras de Robert Crumb e Kazuichi Hanawa tcom suas autobiografias em histórias em quadrinhos, só para citar algumas entre tantas que surgem a nossa frente, se tornaram corriqueiras e até modismos.
Porém, a HQ que me fez escrever esse texto é sobre um norte-americano, temente a Deus, preso em conservadorismos e em busca de se descobrir: Retalhos, de Craig Thompson (Companhia das Letras). Em suas quase 600 páginas, Thompson retrata sua vida começando na infância, onde sua relação com a família, seu irmão em especial, e a religião já norteia o caminho que iremos ver adiante.
Com uma narrativa gráfica repleta de mostras visuais de sensações tão intimas que para cada um poderia ser desenhada de uma forma diferente, o autor nos coloca um personagem/alterego medroso, acuado pela pressão da escola, igreja, pais e da responsabilidade de ter que cuidar de um irmão mais novo – dividindo a cama e as noites sem sono com ele – buscando na imaginação e nos desenhos formas de fugir de uma vida que não gostava.
Mas, retalhos não é só uma HQ sobre uma pessoa e sua vida, mas também, de um romance e como ela lida com novos sentimentos e a vida dos outros. Na adolescência, Craig conhece a bela Raina e em um misto de grande amizade e amor, os dois desenvolvem uma relação de ancora e fuga para ambos. Raina é uma jovem mais descolada que Craig, com amigos, irmãos com deficiências físicas e mentais, mais decidida que o protagonista, porém, perdida em meio à separação de seu pai e sua mãe.
Retalhos fala de problemas que podemos ou vivemos no dia-a-dia, dúvidas que nos surgem, encontros e desencontros, de uma forma suave e sedutora, com desenhos encantadores, que nos transportam para as sensações vividas pelo próprio Craig em cada momento.
Como aponta o Paulo Roberto, no site da Bravo, “o pulo do gato de Craig Thompson é, precisamente, ter também desenhado e não apenas escrito estes ‘Retalhos’. Como romance, talvez chafurdasse na vala comum das histórias de formação. Como graphic novel: o personagem expressa a ternura de ganhar uma colcha de retalhos da mulher que ama “entrando” no tecido, vivendo radicalmente uma metáfora. 
Serviço:
Retalhos
Editora: Companhia das Letras
Autor: CRAIG THOMPSON
Ano: 2009
Número de páginas: 592
Acabamento: Brochura
Formato: Médio

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