Pô… o post anterior eu já li, semana passada, e esse de hoje não vai ter nada a ver com ele então…. e dai? Você não leu? PROBLEMA SEU, perdeu um post bem legal…. Ok, ok, eu quebro teu galho… Foi sobre o Homem Borracha e claro que cê ainda pode ler, e até comentar ( o Rafael agradeçe, rs…). Clica aqui e confere.
Já deu pra perceber que não é o Rafael aqui hoje, né? Se você pensou, pela introdução panaca, que deve ser o Freud, parabéns. Agora chega dessa firula e também das minhas palhaçadas porque tou aqui pra falar de um personagem que curto muito…
“Enquanto isso, na banda desenhada…” é uma seção que traça um paralelo entre o universo real e o mundo dos quadrinhos, analisando como as duas realidades afetam uma à outra, trazendo informação e estimulando a reflexão acerca dessa 8ª arte.
Um misterioso vigilante sem poderes, armado apenas de seus punhos, que usa de um visual assustador para intimidar suas vítimas. Um herói determinado e violento que segue rigidamente seu código moral. Um jornalista que faz uso de seu alter ego para investigar a fundo suas matérias de forma incógnita.
Dito assim, não parece muito original, mas vamos olhar um pouco mais a fundo, porque sim, o Questão é um personagem singular.
Criado em 1967 por Steve Ditko (Co-criador, com Stan Lee de ninguem menos que o Homem Aranha, Dr. Estranho e criador ou co-criador de muitos outros personagens, tanto na Marvel quando na DC) foi publicado pela primeira vez pela editora Charlton Comics numa estória curta no final da revista que reformulava um antigo herói, o Besouro Azul (revista Blue Beetle #1).
Essa primeira encarnação do personagem, escrito e desenhado por seu criador, teve muito poucas estórias (mais 4 estórias curtas em Blue Beetle de #2 à #5 e a edição Misterious Suspense #1, que ele protagonizou) mas chamava atenção por seu visual e conceito filosófico. O Questão expressava algumas ideias da filosofia em que Ditko acreditava, o Objetivismo de Ayn Rand e a incorporação de uma ideologia filosófica por um “super-herói” era um diferencial nos “comics”.
Ao contrário da maioria dos heróis da época, não havia diferença de comportamento entre o jornalista e cidadão Vic Sage e seu alter ego, o Questão. O Questão era como que uma ferramenta de Vic para investigar e agir de acordo com suas crenças do que é certo numa sociedade mas Vic não se passava por fraco ou relapso em sua identidade civil, pelo contrário: era ainda mais contundente como âncora de jornal, contrariando grandes interesses em prol da verdade e chamando a responsabilidade o cidadão comum. E Vic não hesitava sequer em combater o crime corpo a corpo se necessário, mesmo em sua identidade civil.
Como o Questão ele usava uma máscara totalmente lisa feita de um tecido chamado Pseudoderme (que simulava a pele humana) e acionava um compartimento na fivela de seu cinto que exalava um gás binário, usado para fixar sua máscara e alterar a cor de suas roupas e cabelos, de forma a preservar sua identidade civil. Esse gás era usado tambem para cobrir suas aparições e intimidar visualmente seus oponentes, dando uma aspecto ainda mais amedrontador ao já sinistro “homem sem rosto”. Tanto a pseudoderme quanto o gás binário haviam sido criados pelo cientista e amigo Aristoteles Rodor, o “Tot”. Sua roupa como o Questão era outra coisa interessante: enquanto os super-heróis trajavam colantes chamativos, o Questão simplesmente usava roupas comuns, um terno e um chapéu fedora, algo que remetia ao Spirit de Will Eisner.
Outra diferença é que o Questão não se importava realmente com o destino trágico que seus inimigos eventualmente sofriam, nem se dava ao trabalho de tentar resgatá-los de perigos mortais pois eles simplesmente “mereciam estar exatamente onde estavam” pelos atos que cometeram. No quadrinho abaixo vemos justamente isso, quando ele deixa dois criminosos se afogando no esgoto sem sequer cogitar a possibilidade de tentar salvá-los da morte provável.
Dá pra notar que, ao escrever o Questão, Ditko tinha certa liberdade para fugir ao padrão de heróis da época e criar um vigilante que agia da forma como ele mesmo julgava que alguém assim deveria agir. Ainda assim, não era uma liberdade total e Ditko (participando de uma revista alternativa chamada Witzend onde havia uma ainda maior liberdade de criação) lançou, na mesma época, um personagem bastante similar, o Mr. A, basicamente uma versão mais “hardcore” do Questão, um personagem para quem não havia meio termo: ou algo era certo ou errado, ou era bom ou mal, ou era honesto ou corrupto e, se era errado, mal ou corrupto, devia ser combatido sem concessões. Clique nas imagens abaixo para ampliar e ler duas páginas da primeira estória do Mr A (em inglês).
Mas voltemos ao Questão: com o fim da linha de super heróis da Charlton, ele e vários outros personagens ficaram esquecidos, até que a DC Comics comprou os direitos desses personagens e optou por reformular e incluir vários deles, inclusive o Questão, na sua “Terra única” criada após o fim da saga “Crise nas infinitas terras.”
Na nova Terra da DC, o Questão fez sua primeira aparição em 1986, co-estrelando algumas aventuras do seu velho “companheiro de título” da Charlton: O Besouro Azul. No início do ano seguinte o Questão seria reformulado por Denny O´Neil (assunto pro próximo post), mas antes disso falemos de outro ilustre “herói sem rosto” que estreava também no fim de 86…
Diário de Rorchach, 12 de outubro de 1985“Carcaça de um cão morto no beco hoje de manhã com marcas de pneu no ventre rasgado. A cidade tem medo de mim. Eu vi sua verdadeira face.
As ruas são sarjetas dilatadas cheias de sangue e, quando os bueiros transbordarem, todos os vermes vão se afogar.
A imundice de todo sexo e matanças vai espumar até a cintura e as putas e os políticos vão olhar para cima gritando “salve-nos”
… e eu vou olhar para baixo e dizer “não”.
Eles tiveram escolha, todos. Podiam ter seguido os passos de homens honrados como meu pai ou o presidente Truman. Homens decentes, que acreditavam no suor do trabalho honesto. Mas seguiram os excrementos de devassos e comunistas sem perceber que a trilha levava a um precipício até ser tarde demais.
E não me digam que não tiveram escolha.”
Com esse trecho do Diário de Rorschach começou Watchmen, a inovadora HQ que até hoje é reverenciada por muitos como a melhor revista de heróis já escrita e figura em várias listas de melhores obras da literatura. Se você não conhece, recomendo fortemente. Já tivemos inclusive uma semana especial só de posts relacionados a ela, na época do lançamento do filme, confira AQUI.
Lendo esse trecho do diário dá pra notar alguma semlhança de postura entre ele e os Questão e Mr A de Ditko? Claro, e não é a toa. Alan Moore, escritor de Watchmen, baseou todos os personagens da série em heróis da antiga Charlton Comics pois, na verdade, originalmente seria uma série usando esses personagens, mas a DC ao ver mais a fundo a proposta da hq, percebeu que simplesmente não teria como reaproveitar os personagens ao final de Watchmen e sugeriu que ele escrevesse a estória usando personagens novos baseados nos da Charlton.
Moore apreciava muito o trabalho de Ditko, tendo sido suas estórias a principal razão pelo qual ele acompanhou as revistas da Charlton, e fez de Rorschach uma versão realista e psicótica do Questão e de Mr. A. E embora discordasse totalmente das idéias e pontos de vista de Ditko, apreciava a firmeza de caráter dele e de seus personagens e suas convicções inabaláveis. E provavelmente foram essas características que, por mais perturbado que Roschach seja, fizeram desse anti-herói talvez o personagem mais popular e admirado da série.
Tão fortes eram as convicções de Rorschach que seu próprio destino final não estava definido na idéia original da HQ, mas se tornou inevitável quando Moore percebeu que o Rorschach jamais faltaria com sua moral própria, jamais se curvaria a mentira, qualquer que fosse o custo disso.
A seguir: Zen Budismo, Câncer e Lesbianismo na segunda e última parte sobre O/A Questão.