O Garra Cinzenta

“Sem mistérios, a vida seria muito tediosa, de fato. O que faltaria para aspirarmos se tudo fosse conhecido?”

Charles de Lint

Garra cinzenta no traço do grande Danilo Beyruth
(Necronauta, Bando de Dois)


Tema Macabro

Quando falei do Doutor Oculto aqui nesta coluna, falei também da importância do personagem para o que mais tarde viria a ser conhecido como o gênero de super-heróis. No Brasil, Dr. Oculto foi a primeira história em quadrinhos de terror publicada aqui em 1937. Quem lê quadrinhos há um bom tempo já deve ter notado que os gêneros de terror e super-herói nos quadrinhos vivem se cruzando; isto não é à toa, afinal os dois são descendentes diretos das histórias pulp. Mas esta distinção entre histórias de super-herói e histórias de terror no Brasil quase não existia entre os anos 30 e 40 (prova disso é que uma das primeiras revistas de terror publicadas no Brasil era protagonizada por um super-herói, o Terror Negro) tanto que, aquele que pode ser considerado como o primeiro “super-herói” brasileiro era, na verdade um vilão, e de uma hq de terror: O Garra Cinzenta.

Criado por Francisco Armond (roteiro) e Renato Silva (Arte), o Garra Cinzenta é um gênio criminoso que, utilizando uma máscara de caveira aterroriza uma cidade cujo nome é ignorado. Sua marca registrada são cartas com a imagem de uma garra que deixa para suas vítimas, além de utilizar-se de equipamentos científicos bastante avançados para a época, como plataformas elétricas, pistolas de ar comprimido e inclusive um protótipo de televisão (numa época em que esta ainda não existia no Brasil). Para realizar seus planos criminosos, Garra Cinzenta conta com dois ajudantes, um estranho robô gigante e a Dama de Negro e seu principal nêmesis era o Capitão Higgs, que encabeçava as investigações na busca pelo vilão.

Publicado como na Gazetinha – um suplemento do jornal Gazeta de São Paulo – em 1939, Garra Cinzenta misturava elementos de histórias policiais, noir e de terror, com nível de violência bastante elevado para a época; além disso, trazia também alguns aspectos de sci-fi e do que futuramente seria conhecido como o gênero de super-herói. Garra Cinzenta foi publicado de forma seriada durante pouco mais de 100 capítulos (cada capítulo era uma página da história), dos quais boa parte delas pode ser encontrada hoje na internet. Quem quiser conhecer pode encontrar as histórias neste site ou baixar do Nostalgia do Terror uma versão em PDF (nota: nenhum dos links possui todos os capítulos).

Mas não pára por aí. Apesar de hoje ser desconhecido pelo público hoje em dia, Garra Cinzenta fez muito sucesso, não só aqui no Brasil, mas também no México, na Bélgica e na França. Um verdadeiro clássico dos quadrinhos nacionais de terror e – porque não – de super-herói, que merece ser conhecido, por estar na vanguarda de dois gêneros de quadrinhos que sempre foram muito apreciados pelos brasileiros.

Curiosidades:
Francisco Armond, o escritor e criador do Garra Cinzenta na verdade não existe. Ele é o pseudônimo de Helena Ferraz de Abreu que dirigia, junto com o marido, a Livraria Civilização e os jornais Gazeta de São Paulo e Correio Universal no Rio de Janeiro. A descoberta só aconteceu recentemente, por conta de uma pesquisa realizada por Sérgio Augusto. Até onde me consta, não há registros de roteiristas de quadrinhos mulheres nos EUA nesta época, fazendo de Helena a primeira roteirista mulher das HQs de terror/super-herói;
– Quando Garra Cinzenta chegou à França, foi através do que era publicado no México. Por conta disso, sempre se pensou que o personagem fosse criação mexicana. Felizmente a confusão já foi desfeita e hoje ele é conhecido como um personagem brasileiro;
– Apesar de não se indicar a localização da cidade onde se passa a história, é seguro presumir que seja nos EUA, primeiro porque todas as histórias pulp que os brasileiros conheciam vinham de lá e segundo por que todos os nomes eram americanos;
– O alter ego do Garra Cinzenta é “Doutor Stone”.

Agradecimentos especiais ao blog HQ quadrinhos, que faz um ótimo trabalho compilando informações sobre super-heróis brasileiros (e de onde tirei algumas imagens que ilustram o post) e ao Danilo Beyruth, pela bela ilustração que eu gentilmente “roubei” do blog dele.

Na próxima Madrugada:
Um filme sobre vampiros que estaria prestes a mudar o cinema. E um segredo que poderia mudar toda nossa visão sobre a realidade. Na próxima semana, A Sombra do Vampiro.

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