“E que me importa o sonho da morte? Meu porvir amanhã seria terrível: e à cabeça apodrecida do cadáver não ressoam lembranças; seus lábios gruda-os a morte; a campa é silenciosa. Morrerei!”
Noite na Taverna
Eu nunca gostei de literatura brasileira, mas nunca soube ao certo o porquê. Talvez por ter iniciado com alguns livros que, à época, considerei ruins, talvez por achar que os temas se repetiam demais e eu não via muita originalidade, mas creio que é bem mais provável que foi por conta do velho hábito dos professores de querer nos fazer gostar de algo enfiando-nos goela abaixo. Como sempre tive problemas em simplesmente acatar qualquer solicitação sem entender o porquê da mesma, isto era um problema para mim, que me fez relutar, por muito tempo e até ter certa aversão à literatura clássica brasileira.
Mas o tempo resolve tudo e eu, que sempre gostei de ler quadrinhos, não demorei muito para dedicar parte do meu tempo também à literatura. Embora até hoje não seja grande fã de muitos clássicos que os intelectuais consideram obras primas, tem uma obra que me marcou, justamente por fugir daquilo que eu considerava maçante e se dedicar a temas que só muitos anos mais tarde entenderia que caracterizavam o gênero de terror. Esta obra é Noite na Taverna.
Para quem não conhece, ou ainda não leu, Noite na Taverna é de autoria de Álvares de Azevedo, integrante da segunda geração romântica brasileira (conhecida como ultrarromantismo ou mal do século), cuja principal característica era fugir do nacionalismo e outras características do romantismo original, trazendo o pessimismo do século 19 para a literatura em obras que passavam por temas como incesto, morte, embriaguez, misticismo, sobrenatural e a fuga da realidade e influenciadas principalmente por autores como Lord Byron, Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann e Percy Bysshe Shelley, os expoentes do romantismo europeu da época. Álvares de Azevedo é um dos principais representantes desta fase literária, e tem entre suas outras obras mais conhecidas, Lira dos Vinte Anos e Macário.
Depois da rápida aula de história da literatura, vamos à obra propriamente dita. Noite na Taverna, como o próprio nome sugere, nos mostra um cenário noturno onde somos apresentados à cinco personagens (Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann) durante uma noite em uma taverna regada a bebidas, conversas em alto tom e histórias inusitadas. Cada personagem conta sua história, uma mais fantástica e sinistra que a outra, até que enfim chegamos à uma inesperada conclusão.
Noite na Taverna apresenta sete contos que acabam fazendo parte da mesma narrativa, onde começamos e terminamos na taverna, num exercício muito criativo de escrita. A obra é curta, do tipo que pode-se ler em períodos de intervalos do cotidiano, como no almoço, no ônibus, etc. Talvez para os leitores mais jovens o uso recorrente dos textos em verso e a linguagem portuguesa antiga possam dificultar um pouco a leitura (principalmente para os mais preguiçosos), mas nada que atrapalhe a experiência.
Para quem acha que literatura brasileira se resume apenas a livros enormes e chatos sobre a aristocracia vitoriana ou as dificuldades do nordeste, Noite na Taverna é uma ótima pedida. Atualmente pode ser encontrada em versão de bolso publicada pela L&PM Pocket a um preço bastante acessível.
Curiosidade:
– Percy Bysshe Shelley, um dos principais poetas românticos ingleses e um dos inspiradores do ultrarromantismo brasileiro foi marido de Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein.
Na próxima Madrugada:
Uma casa como outra qualquer. Mas que esconde um segredo mais aterrorizante do que qualquer outra coisa que se poderia imaginar. Na próxima semana, visitaremos as Criaturas Atrás das Paredes.