Magne é um jovem adolescente, com problemas de aprendizado, que retorna para usa cidade natal, Edda, na Noruega, com sua mãe e seu irmão Laurits. Chegando lá, ele começa a descobrir que existem mistérios muito sombrios no local e vai se envolver em várias situações que envolvem os poderosos da região.
Essa, basicamente, poderia ser a sinopse de Ragnarok sem spoilers – mas se você conhece mitologia nórdica ou viu o último filme do Thor – ou ao menos, assistiu o trailer da série – o fato de Magne ser uma representação do Deus do Trovão nos dias atuais não é nenhuma surpresa.
A proposta da série me parece mais ou menos isso, que citei no título do post: Ragnarok é o Smallville do Thor. Não o Thor da Marvel, de Chris Hemsworth. O Thor mitológico mesmo.
Pensando por esse viés, é, no mínimo, interessante, que tenhamos uma série sobre mitologia nórdica produzida na região pátria dessa religião, em contraponto ao que estamos habituados, uma visão norte-americana e hollywoodiana desses deuses e lendas.
Porém, lamento informar. Mesmo com seus devidos predicados, Ragnarok pena em pagar a expectativa que cria.
O formato realmente lembra muito o de Smallville. Magne é um jovem aluno de colégio, um grandalhão com um coração enorme, que sempre procura fazer o bem e defender a justiça. Aos poucos ele vai descobrindo seus poderes enquanto desvenda outros mistérios que cercam a cidade e se entrelaçam com sua própria origem.
Ao lado disso, diversas outras referências a personagens mitológicos. Uma delas mesmo é tão clara, que não precisa nem ser citada durante toda a temporada, mas é facilmente percebida na sua primeira aparição. Tudo isso com drama teen em uma escola cheia de disputas por popularidade.
Dessa forma, ficamos ansiosos por ver quando Magne vai finalmente despertar seu potencial, mas essa espera acaba se tornando bastante decepcionante. Sobra então acompanharmos os personagens coadjuvantes e seus próprios arcos, mesmo que eles tampouco evitem a barriga que a série apresenta.
Alguns possuem arcos interessantes, enquanto outros se perdem em suas próprias narrativas ou fazem apenas figuração. Existe um caso em que a virada do personagem é abrupta demais e parece extremamente forçada, mesmo com toda a boa vontade que você possa ter com a série ou a simpatia que tem pelo personagem.
Ainda que a passos arrastados, devo dizer que a mudança do protagonista, devido à própria interpretação do ator David Stakson, é bastante visível. Se nos primeiros episódios ele parece troncho e estranho, conforme ele se compreende, sua atitude e até mesmo aparência muda.
O ator mostra nos gestos e na postura a transformação de Magne em um homem confiante. Lembrou-me muito a caracterização de Clark Kent/Superman que Frank Quitely apresentou em Grandes Astros Superman.
Quanto à trama em si, o que deveria ser o pano de fundo para a jornada do herói mitológico acaba sendo na verdade o grande foco da temporada: uma história sobre degradação do meio ambiente. Apesar de ser um tema importante sim, que poderia render um debate bastante interessante, o roteiro se torna apenas panfletário e raso como um pires.
Esse dilema é que norteia o embate entre o herói e os vilões, mas é tratado de forma tão superficial que soa falso, ou pior, desimportante. Isso nos faz desconectar do objetivo principal em teoria e cria a impressão de que tudo que Magne faz é apenas em busca de vingança. E ainda acaba sublimando com um plot menos interessante o que deveria ser o macro: o retorno dos deuses.
Estamos na era das séries pós Game of Thrones, e no auge dos filmes e programas de super-heróis, o que cria outro problema para a série norueguesa: quando se fala em fantasia e heróis (e Thor é a exata mistura entre esses dois gêneros), é inevitável que se esperem efeitos especiais da grandiosidade que o enredo propõe. Porém eles raramente surgem.
À medida que Magne descobre seus dons, nós o vemos usando eventualmente – apenas para essas cenas. Temos pouco do herói os utilizando de fato, o que cria outra frustração. Até Tom Welling, quase 20 anos atrás, esbanjava um pouquinho de poder na televisão com baixo orçamento.
Os vilões da série são interessantes, tanto em caracterização, personalidades e arcos narrativos. Porém existe um detalhe sobre eles que ou não faz sentido ou eu não entendi. Segue abaixo com spoilers (masrque para ler):
Se eles não envelhecem, como as pessoas da cidade não notam isso, visto que eles estão ali há séculos? E em um determinado momento Saxa e Fjor dizem a Vitar e Ran que naquela época eles (os pais) ainda eram crianças, dando a entender que eles são mais velhos na verdade que os “pais”. Mas nas fotos antigas, a família mantém a mesma formação: Vitar e Ran como pais, Raxa e Fjor como filhos adolescentes. Eles mudam sua aparência de idade e alternam quem são os pais, quem são os filhos?
Fim dos spoilers
Por fim, Ragnarok sofre um problema que é o contrário da maioria das séries da Netflix: ele peca por ter apenas seis episódios. Ao final da temporada, a impressão que você tem é que viu um grande episódio piloto, ou um arco de episódios de origem, que, em uma série de TV com 20 episódios serviria apenas para dar o pontapé inicial da season.
Da forma que foi feito, com um clima de tensão que aumenta a cada episódio até chegar a uma conclusão absolutamente anticlímax no capítulo final, o sentimento de desapontamento é inevitável. O espectador se sente enganado, como se tivesse passado todo esse tempo vendo apenas um prólogo do que realmente se propôs a assistir quando apertou o play.
Ragnarok tem bons diálogos, cenas bem feitas, um roteiro “ok”, um elenco cativante e uma ótima premissa. Só precisa saber usar essas ferramentas ao seu favor ao invés de enrolar quem está assistindo.
Se interessou? Dá uma olhada no trailer da série.
Até o próximo episódio!