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O Legado de uma Odisséia Eletrônica

Uaréview
Por Rafael Rodrigues

“Sam: O que eu devo fazer?
Siren: Sobreviver.”


O que a Disney tinha na cabeça quando decidiu buscar um filme de 30 anos atrás e, ao invés de um remake, fazer umasequência do filme original, asssitido por (poucas) pessoas que hoje são adultos? Bom, sinceramente eu não sei, mas Tron – O Legado é a prova de que um grande estúdio, quando quer, consegue fazer boas escolhas na hora de produzir um filme.


Quando eu assisti Tron – Uma Odisséia eletrônica*, há mais de 20 anos atrás, computadores eram ficção científica para mim, eu sequer fazia ideia de que eles existiam de verdade. Talvez por isso – e por conta de minha tenra idade – eu tenha aceitado tão facilmente o conceito de um cibermundo dentro dos circuitos de computador, uma realidade alternativa eletrônica que está longe dos nossos olhos. Pois bem, tantos anos depois, eu não só conheço computadores “pessoalmente” como não consigo imaginar minha vida sem internet, celulares, sinais digitais, redes sociais e realidades virtuais. Como seguir adiante com a história sendo que não somos mais tão ingênuos, tecnologicamente falando? A resposta em Tron – O Legado foi a mais simples: Nós podemos conhecer muito mais sobre computadores do que conhecíamos há 30 anos atrás, mas ainda não deixamos a fantasia totalmente de lado.

Tron – O Legado segue a cronologia do original: Kevin Flynn (Jeff Bridges) se tornou dono da empresa que ajudou a construir após o fim do primeiro filme, casou e teve um filho, que sempre ouviu empolgado as histórias do pai sobre a Grade, o mundo virtual e os personagens que conhecera naquela realidade. Mas um dia Flynn não voltou para casa, e seu filho, Sam, cresceu ressentido com o ocorrido. Então no presente, Alan (que era o protagonista do original, criador do programa Tron que dava nome ao filme), agora afastado das decisões da empresa depois do sumiço de Flynn, recebe um sinal do antigo prédio onde seu amigo comandava um fliperama. Ele decide contar para Sam, que resolve descobrir o que aquilo significava, e obviamente ele acaba sendo enviado acidentalmente para a Grade (o mundo virtual).

A história é simples e de muitas maneiras bem parecida com a história original. Sam Flynn gosta de sacanear a empresa que foi do seu pai, assim como Kevin costumava hackear a Encom antes de tomar conta dela. A história tem também o mesmo nível de “leveza” do primeira, como é de se esperar de um filme da Disney, mas isso não denigre de forma alguma a produção. O roteiro não é um primor e tem alguns furos típicos de produções de aventura, mas nada que o faça torcer o nariz para o filme. Mas mesmo com a simplicidade do roteiro, existem algumas entrelinhas e paralelos interessantes que o filme traça. O primeiro Tron possuía entrelinhas míticas e religiosas bastante claras: Os programas veneravam os usuários (seus criadores) como se fossem deuses, e quando a grade foi dominada pelo Master Control (o vilão do filme original), os que ainda acreditavam nos usuários eram chamados de “fanáticos religiosos”. Agora os usuários eram considerados algo como “falsos deuses”, criando uma mudança nos paradigmas do mundo cibernético. Sem contar que há um contexto bastante profundo quando descobrimos que no mundo cibernético foi possível o surgimento da vida “a partir do nada”.

E as mudanças não param por aí. A Grade evoluiu, sua nova versão é muito mais complexa e perigosa que a primeira – embora mantenha alguns aspectos e elementos (reinventados, é claro). Não só em termos visuais, mas a sociedade de Tron também evoluiu: Agora os programas freqüentam bares e assistem aos jogos, por exemplo. A história também evoluiu, dando um passo adiante e indo além da simples via de mão única que era ir do mundo real para o virtual e não posso deixar de citar a percepção da Disney a respeito do status da tecnologia atual, o que permitiu que a produção se preocupasse com diversos aspectos da película, não só o visual, tornando o filme uma experiência sensorial impactante (com destaque para a trilha composta magistralmente pelo Daft Punk)

Para manter a “tradição” de Tron, que quebrou barreiras e revolucionou diversos aspectos dos efeitos especiais, Tron – O Legado vem com outra revolução: um ator virtual que contracena com os personagens durante basicamente o filme todo. Este é Clu que, feito à imagem e semelhança de Kevin Flynn – e sem envelhecer, já que é um programa, é Jeff Bridges 30 anos mais jovem, e atua até muito bem para um personagem virtual.

Com relação às atuações, eu vou ser sincero: vi o filme dublado, e isso interfere um pouco no julgamento, mas com exceção das caras e bocas meio canastras do ator que fez Sam Flynn, creio que o elenco estava atuando bem, considerando a irrealidade da história.

Tron – O Legado também é uma evolução para a Disney. Melhor dizendo, uma reinvenção. Num mundo onde contos de fada já não tem mais tanto apelo, mesmo entre as crianças, acostumadas com as maravilhas da tecnologia, o estúdio pôde trazer uma história que nada mais é do que uma fantasia moderna, com as mesmas intenções dos contos de fadas antigos, mas com a linguagem adequada para as novas gerações. Saem os dragões, os cavaleiros e as princesas e entram os veículos eletrônicos, os hackers aventureiros e as parceiras de aventuras “iradas”.

Acho que o filme é uma ótima diversão, um filme para nos fazer lembrar que cinema não se trata necessariamente de personagens complexos, histórias intrincadas e simbolismos eruditos; na maioria das vezes, é bom que ela seja simplesmente uma boa história para esquecermos do mundo real e imaginar um outro mundo, possível apenas na nossa imaginação e – quem sabe? – dentro dos computadores.

Nota: 8,1

*Para você ver como faz tempo, “odisseia” ainda tinha acento.

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