Sinopse: Em 1792, o poeta e gravurista inglês William Blake contatou o demônio que lhe revelou o segredo da sabedoria infernal. Desse místico encontro nasceu o livro iluminado “O Matrimônio de Céu & Inferno”. Em 2019, na selva urbana de São Paulo, crime, desejo e redenção entrelaçam a vida de quatro personagens.
Eu nunca tive contato com William Blake antes, não vi suas obras, nem discussões sobre elas ou referências a ela em outras produções, então, ao ter em mãos O Matrimônio de Céu e Inferno (Avec Editora) me era, ao mesmo tempo, uma tela em branco a ser preenchida e uma boa oportunidade de conhecer o autor.
Fiquei ainda mais satisfeito ao ver que o trabalho do Enéias Tavares (roteirista, professor e estudioso da obra de Blake) e Fred Rubim (desenhos) não era uma mera adaptação do que Blake fez, mas sim uma “citação” com “interpretação” em uma história original nos dias atuais.
O plot da história em si não é lá grande inovação, trabalha clichês do gênero suspense policial com personagens estereotipados como a prostituta, a traficante, o segurança e o religioso de fachada. A grande sacada aqui é como Tavares entrelaça essa aventura com o advindo do livro de Blake em uma montagem visual e narrativa bastante atrativa.
Como o próprio autor aponta em entrevistas, sua proposta é que seus personagens dialoguem com dimensões do trabalho de William Blake, a violência, o desejo e o erotismo, a arte e o visionarismo e a corrupção religiosa. Para mim, ele conseguiu seu intento e traz uma boa reflexão sobre esses temas esmiuçando bem os pormenores desses setores em nossa sociedade e as hipocrisias existentes nela.
Fred Rubim, como sempre, manda muito bem não só construindo personagens com personalidades bem identificáveis pelo seu visual, inclusive no uso de cores distintas para cada um, como toda a releitura dos escritos e ilustrações de Blake são um show a parte com seu estilo um tanto xilográfico.
Matrimônio… é uma boa porta de entrada para a obra de Blake e um trabalho bem realizado tanto por seus autores como pela Avec com belo projeto gráfico e editorial, tendo uma bonita sobrecapa, todo um cuidado em textos de prefácio e extras que levam o leitor realmente ao mundo o qual se está homenageando na edição.
Vale bastante a leitura e uso, quem sabe, do material em escolas, cursos, oficinas, mesas redondas e outros locais de discussão sobre a arte e nosso mundinho complexo.
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