Cercado de aparelhos eletrônicos, com acesso a uma infinidade de conteúdo, o ser humano demonstra não ter capacidade mental de absorver a quantidade de informações que estão à sua disposição. Até onde a “era mídia” pode nos levar?
Narrada em três episódios com histórias e elenco independentes, a série inglesa Black Mirror adota uma visão de humor negro para apresentar a influência das novas tecnologias na vida moderna. Discutindo desde a idolatria as estrelas até a força das redes sociais, a série mostra um futuro (próximo?) onde nem sempre ter avanços tecnológicos significa a felicidade.
Parte I: The National Anthem
Digas que vídeo vês e te direi quem és!
“O Primeiro Ministro Michael Callow (Rory Kinnear, de “Five Days” e “Vixed”) enfrenta um dilema quando um dos membros da família Real é sequestrado. O problema é que a história passa a ser acompanhada pelo público via Twitter e You Tube, onde um vídeo enviado pelos sequestradores alcança audiência recorde”.
È impressionante como ideia simples podem ser muito boas. Afinal, forçar pessoas, ainda mais políticos, a fazerem algo utilizando as redes sociais, em um ciberterrorismo, pode não ser algo comum hoje em dia. Mas, com o avanço do ciberativismo, que pode levar rapidamente a um ciberterrorismo mais “presencial” – já vemos algumas cabeças disso em casos como os ataques dos Anonymous, não duvido nada que algo assim surja logo.
Outro ponto interessante mostrado pelo episódio é a força que as mídias digitais conquistaram em cima das chamadas “mídias tradicionais” (TV, rádio, jornal). Fato cada mais mais cotidiano, ainda mais no caso dos jornais impressos que vemos fecharem mundo a fora e migrarem para a internet, ou ainda como essa “velha” mídia se pauta na atualidade por acontecimentos “online” (onde a Luisa estava mesmo?).
Parte II: 15 Million Merits
A mídia transforma até a verdade em um show.
Estrelado por Rupert Everett, o episódio faz uma sátira aos programas de reality shows explorando a sede do público por distração e fuga da realidade. Na história, situada em um universo paralelo, todos estão condenados a horas intermináveis de trabalho árduo. A única forma de escapar deste modo de vida é participando de um programa de caça talentos conhecido como Hot Shot, uma espécie de “The X Factor”.
Apesar de menos impactante que o primeiro episódio, aqui temos algumas questões que particularmente adoro debater. Primeiramente o sistema de celebridades e como nós, meros “mortais”, idolatramos elas como se estar na televisão, cinema e afins, fosse ser algo além de humano. Assim, nós seriamos nada.
Ainda dentro disso, põe em cheque os programas de “fabricação” de celebridades, os chamados reality shows, como atrações de humilhação pública. Além de criticar, sutilmente dessa vez, o que chamo de “vida artificial ainda em pele viva”, ou seja, sermos robôs sem o metal quando não vivemos de fato, só somos alimentados pela tecnologia (“quer comprar o novo aplicativo que não vai melhorar em nada sua vida Senhor?”) e mídia (“Oh loco meo, vamos ver o mais novo evento midiático do momento”).
Parte III: The Entire History of You
Me mostre o que você viu.
Também situado em uma realidade paralela, o episódio, estrelado por Toby Kebbell, traz um mundo onde todos carregam um implante que lhes dão acesso a um sistema de informática, que grava tudo o que eles viram, ouviram ou fizeram na vida. Desta forma, ninguém esquece nada.
O mais fraco dos três episódios, ainda trás umas discussões interessantes acerca da “paranoia memorial” que vivemos hoje em dia. Isto é, com as tecnologias digitais podemos quase que completamente não esquecer mais nada, afinal, temos vídeos, postagens, celulares, tablets, todo tipo de aparelho para gravar nossos momentos vividos e nos lembrar deles no futuro.
Em uma vibe bem Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, o episódio levanta a reflexão sobre a importância de se ter o prazer de esquecer, ou pior, de que os outros não vejam o que nós vivemos. Pois, mesmo que você não filme sua viagem ou saída na balada, sempre terá alguém fazendo isso e trazendo a tona até o que você não gostaria. E, muitas vezes, nos deixando presos a memórias passadas e não vivendo o presente.
Eu sou fascinado nessas discussões que a ficção científica trás sobre nosso presente revestida em uma camada de futurológismo. Black Mirror faz isso muito bem, um reflexo sombrio de nossa sociedade atual e dos rumos que podemos tomar. Mais do que recomendado para quem curte tais discussões.
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