Para inicio de conversa, irei citar um exemplo de obra que com certeza 11 de 10 fãs dos quadrinhos devem conhecer e tem bem explícito esse artifício da referencialidade: Planetary, de Warren Ellis. A obra trata um grupo de pessoas com poderes especiais que catalogam, como arqueólogos, a “história oculta da humanidade”, uma história com raízes fortes na cultura pop. Portanto, como disse o João Felipe do Sobrecarga, “espere de cada aventura de Planetary citações e referências ao mundo do cinema e das histórias em quadrinhos, nas palavras do mestre Alan Moore: ‘Warren Ellis e John Cassaday fabricaram um engenhoso mecanismo com o qual podem explorar as possibilidades de nossa situação contemporânea’. Isto é, resgatar elementos do passado dando um novo encaminhamento e apontando para um possível futuro da nona arte.”
Essa sentença mostra bem o que quero discutir aqui, como nessa primeira década do século vinte e um o recurso de uma mídia fazer referência a outra, ou a si mesmo, está sendo muito utilizado para ser um atrativo a mais para quem compra. Com Planetary, e suas inúmeras citações visuais escondidas, ou não, gerou enxurradas de discussões em fóruns, teorias e até um guia, fomentando a curiosidade de quem não conhecia e aumentando o interesse de quem já na primeira edição se tornou fã. Ou seja, Ellis sabiamente usou o gosto pelo saudosismo e colecionismo do passado dos leitores para prender suas atenções.
Estratégia também utilizada por Grant Morrison na sua megasaga Crise Final, que muitos alardearam ser “arrogante, presunçosa e complexa” demais, até tem sua lógica, mas, antenado com os novos tempos e leitores, Morrison criou uma verdadeira caça a símbolos escondidos, histórias esquecidas e revivals por parte dos fãs do Universo DC. Na verdade, o escritor já faz esse tipo de coisa desde seus tempos de Homem-Animal e Patrulha do Destino, só que lá era mais com personagens “sumidos”, ampliando tudo isso em CF e em sua passagem pelo Batman, alimentando a fome de um leitor de quadrinhos que vive na velocidade e interconeção de uma vida cibernética, de wikipédias e cultura participativa, um verdadeiro Leitor 2.0.
Acho que qualquer pessoa ligada com as novidades desse mundinho virtual já tinha percebido que instigar o público com a lógica de pesquisa e “caça ao tesouro” é lucrativo, os produtores de Lost que o digam. Tanto que produtos audiovisuais como a série The Bing Bang Theory e o recém-lançado filme brasileiro Apenas o Fim, usam e abusam da capacidade nerd de se interessar por coisas que fazem referência aos seus gostos, explorando bem um filão de consumo que até pouco tempo era simplesmente renegado pela mídia e o capital.
PS: Essa postagem é um embrião de um futuro artigo sobre o uso de uma cultura da referencialidade e a convergência midiática nos quadrinhos, que ainda está para ser esquematizado nos próximos meses.