O Legado Valdemar

– Você sabe o que está acontecendo aqui, não é? Como quer que eu durma direito se você não me conta?
– Se eu contar, não dormirá de jeito nenhum pelo resto da sua vida.

O Legado Valdemar


Tema Macabro

Como primeiro Madrugada Macabra após a mudança de periodicidade (para quem ainda não sabe, se tornou mensal – ou o mais próximo disso que este que vos escreve conseguir), nada melhor do que (re)começar com uma história inspirada por um dos pais do medo.

Quem acompanha o Madrugada Macabra (e/ou acompanha terror em geral) sabe que o cinema espanhol nos últimos anos tem se saído muito bem com o cinema fantástico, um subgênero que tem sido cada vez mais repetitivo e subaproveitado por Hollywood e praticamente reinventado em produções hispânicas como Abra los Ojos, O Labirinto do Fauno, A Espinha do Diabo e [REC] (apenas para citar alguns). De fato, o cinema espanhol há muito já não se limita apenas a produções dramáticas feitas apenas para tentar concorrer a prêmio e produções do Almodóvar (que geralmente ganham prêmios); prova disso é o tema do Madrugada Macabra de hoje.

Em “O Legado Valdemar” (La Herencia Valdemar, no original), acompanhamos Luisa Llorente, corretora especialista na avaliação de prédios antigos que é retirada de sua folga para fazer o inventário da antiga “Mansão Valdemar”, cujo corretor original, seu colega de trabalho, sumiu e seus chefes pensam que ele encontrou algo de muito valor ali e decidiu fugir para tirar um dinheiro disso.

Chegando lá, Luisa é confrontada com situações inexplicáveis e acaba desaparecendo. Seu patrão decide contratar um detetive para encontrá-la, que será acompanhado por uma das executivas da empresa. Com o tempo, descobrimos que há muito mais na história dos desaparecimentos do que se pode supor e, assim que ficamos conhecendo mais da história da Mansão Valdemar e de seus moradores, somos jogados em uma épica história que mistura passado e presente e nos coloca diante de um mundo fantástico que só pensávamos existir nos livros.

O Legado Valdemar presta homenagem à H.P. Lovecraft em diversos aspectos. Primeiro, por ser inspirado em suas obras (em especial aos conhecidos Mitos do Cthulhu) para criar uma história original e criativa. Segundo, por usar na narrativa técnicas que o próprio autor usava em suas obras, em especial a historicidade como parte fundamental da trama (o flashback se passa primariamente no século XIX, em meio ao crescente cientificismo positivista e o advento do Espiritismo), as constantes referências a outros autores e o uso de pessoas, conceitos científicos e acontecimentos reais para dar verossimilhança à obra.

O Legado Valdemar pode enganar no início, parecendo um típico thriller americano, mas com o tempo a película adquire tom e ritmo próprios e nos coloca numa narrativa tensa, dramática e com um final épico. Infelizmente (e por razões que eu não consigo entender), a produção teve uma recepção bastante negativa, talvez pelo fato de que na verdade não se trata de um, mas de 2 filmes. Então quando for procurar por “O Legado Valdemar”, você terá de obrigatoriamente buscar também por “O Legado Valdemar 2: A Sombra Proibida”, que liga todas as pontas do primeiro e encerra a história.

Recomendo aos fãs de Lovecraft (e aos apreciadores de narrativas fantásticas) assistir a O Legado Valdemar. Infelizmente, eu não encontrei o filme por aqui, portanto há apenas os meios não convencionais do download pela internet se você não quiser importar (de verdade) o filme. Mas é um esforço que vale a pena.

Curiosidades:
– Apesar de não ser diretamente adaptada de nenhuma obra de H.P. Lovecraft em específico, o filme incorpora diversos elementos de suas histórias, como o famigerado Necronomicon e os mitos relacionados aos Grandes Antigos (cujo mais conhecido é Cthulhu);
– A narrativa passada que explora a história da Mansão Valdemar é retirada do conto “Horror em Dunwich” uma das obras chave do mito do Chulhu e que centra-se na tentativa de organizar um ritual para abrir um portal entre dimensões e adquirir conhecimento infinito;
– No ritual de Dunwich que vemos no filme, temos presenças ilustres de pessoas que existiram de verdade: Aleister Crowley (o único que tem uma maior participação no filme), figura mítica ligada ao ocultismo e que inspirou Raul Seixas e Paulo Coelho no passado (embora este último faça questão de ignorar que esse período existiu); Belle Gunnes, uma “viúva negra” de seu tempo, acusada de assassinar todos os seus maridos e dizem as más línguas que chegou a matar cerca de 40 pessoas; Lizzie Borden, que matou o pai e a madrasta a machadadas; o musicista italiano Luglio Fuchini e Bram Stocker (sim, o criador de Drácula). Além deles, o próprio Lovecraft aparece como personagem em determinado momento do filme numa ponta bem interessante;
– O Legado Valdemar é o primeiro filme na história do cinema espanhol a ser produzido de forma totalmente independente, sem subsídios do governo do país.
– Os efeitos especiais ficam por conta de Reyes Abades, o mesmo de O Labirinto do Fauno.

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