Tiras sem Crise!

Faaaala, molecada, lazarenta!
Sei que muita gente não sentiu falta da coluna (segundo o Rafael se você chorar no começo dos posts, isso sensibiliza os leitores e eles acabam comentando por dó), mas estou aqui de volta com o Tira de Letra, pra trazer mais uma grande fera (ô loco, meu), não tanto no pessoal (pois ele é mal-humorado pra cacete) mas muito no profissional. E no final, é isso que interessa, não?
Um dos grandes chargistas e tirinistas do Brasil!
O cara que brota ideias em sua cabeça feito pipoca, mesmo quando ele se acha em “crise”!
Sim, sim, mis cumpadres, estou falando dele mesmo…
 

Um dos mais conhecidos chargistas brasileiros Arnaldo Angeli Filho, bem mais conhecido apenas como Angeli, é um paulistano “da gema” de 55 anos, que criou várias pérolas do quadrinho nacional como Wood & Stock, os Skrotinhos e a maluca Rê Bordosa, personagem muito famosa dos anos 80 que teve que morrer para deixar seu autor em paz!
Mas falaremos disso mais tarde…
 

Angeli começou a trabalhar aos catorze anos numa revista chamada Senhor, além de colaborar com desenhos para alguns fanzines. Logo em 73, já foi contratado pelo jornal Folha de São Paulo, e é lá que ele trampa até hoje!
 
 
De sua sensível observação saíram os mais marcantes tipos do humor. Desde os anos 80, Angeli vêm desenvolvendo uma galeria de personagens que ficaram famosos não só pelo seu humor anárquico, mas por serem bem urbanos, típicos tipos paulistanos em voga na época (e até hoje), características que os tornaram personagens muito mais verossímeis, fazendo com que as pessoas que viviam um pouco daquela realidade, os adotassem como seus preferidos; numa época em que a anarquia era muito mais bem vinda aos adolescentes daquela década, personagens como Bob Cuspe faziam toda diferença, pois era a forma de protesto mais legítima. Era a crítica social em pessoa, o legítimo representante nos quadrinhos da onda punk que se instalou na periferia de São Paulo nos anos 80. O personagem vivia cuspindo nas pessoas em situações que faziam apologia a algum acontecimento da época.
 
 

Ao lado de Bob, nenhum personagem marcou tanto quanto a malucona Rê Bordosa, que Angeli fez baseado numa amiga (ou amigas?). O mais completo retrato psicológico e social da mulher urbana de sua época, dividida entre a crise dos 30 anos, o eterno desafio de se relacionar com o sexo oposto e a liberdade sexual que a satisfazia na década anterior. Além de alcoolátra, era ninfomaníaca, desbocada e desprovida de bom senso, e suas histórias giravam em torno de suas manias e desejos. Como a personagem fez sucesso a ponto de eclipsar o autor, Angeli resolveu matá-la. Segundo ele, a personagem era muito forte, gostosa de trabalhar, porém problemática.
O medo do autor era ter que carregá-la pro resto da vida, e isso não o agradava muito, até porque, ela estava eclipsando seus outros personagens. Outra questão crucial foi a questão de mercado. Como seu objetivo era fazer algo mais amplo, Rê Bordosa era como uma âncora para seus outros projetos.
 
 
 
Ela estreou na extinta revista Chiclete com Banana e teve várias “sagas” publicadas em revistas especiais posteriores à sua morte, bem como, um curta especial, que foi apresentado pela primeira vez no HQMIx de 2009. Esse curta-metragem, chamado Dossiê Rê Bordosa, é uma animação feita com bonecos de massinha e stop motion, que procura desvendar o mistério em torno da morte da personagem mais famosa personagem de Angeli e os reais motivos para o seu assassinato.
Curta muito bom, recomendo!
 
 
Ele ganhou vários prêmios e menções honrosas como Melhor Filme de Curta Metragem pelo Júri, Público e Crítica no I Festival de Cinema de Paulínia, Melhor Curta Metragem e Melhor Animação Brasileira no Anima Mundi – RJ e SP 2008 e Melhor Montagem em Curta / Melhor Roteiro em Curta nacional no Festival de Gramado.
Ela também apareceu, co-estrelando, o longa metragem de animação, Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, e a cantora Rita Lee foi a responsável por dar voz a personagem.
Além desses clássicos personagens temos Mara Tara, a tarada de plantão, uma terrível devoradora de homens que só quer sexo e que chupa os homens até a morte! Suas armas são o seu espartilho e seu chicote e suas vítimas são sempre encontradas pela polícia já mortas e de pau duro!
 
 
Meia Oito, o último dos comunistas, também abrilhantou as páginas da revista Chiclete com Banana, entre situações de paranoias e de revanchismo das forças de repressão da ditadura, ele era o representante dos temores e as incertezas de uma democracia que dava os primeiros passos para voltar a andar. Seu fiel seguidor na causa revolucionária, Nanico, era também seu parceiro, um homossexual enrustido (mas não muito).
Segundo Angeli, a personagem é uma referência a um tipo característico da época, final da década de 60, o cara que tinha discurso, mas não tinha a ação. Fazia a guerrilha dentro do bar, um tipo cheio de regras, sua história de luta só existiu em sua cabeça.
 
 
Vinte anos depois de fazer revolução matando uma personagem, Angeli resolveu – aparentemente – matar mais uma de suas criações. O revolucionário Meia Oito foi atropelado e esmagado por um caminhão da Coca-Coca, empresa-símbolo do grande império capitalista!

  • Luke e Tantra, são o típico retrato das adolescentes da classe média paulistana. Elas não são exemplos de beleza, o que dificulta em muito o tão sonhado desejo de perderem a virgindade. Nas histórias é mostrado que elas criaram uma página na internet e com a utilização de uma webcam, jogam suas intimidades na rede pra quem quizer ver! Participam de suas aventuras o Moska, o típico muleque xavequeiro, pornógrafo e de tamanho inversamente proporcional à sua higiene. Moska é o presidente da Associação dos Onanistas e Ejaculadores Precoces do Brasil e vive perseguindo Luke e Tantra. Orelha, a paixão de Tantra, é um garoto desencanado, que não está nem aí para as coisas e que evita de andar com os amigos para não pensarem que ele é gay. Napa é o cara sensível que faz trabalhos para ONGS e pelo qual Luke é apaixonada. O mais engraçado dessas tiras é quando aparece o Comando Revolucionário Kurt Cobain do B. Grunges revoltados (ou manos noiados) que são do contra, a tudo!
  • Wood & Stock, dois velhos hippies meio cabeludões que passam o dia inteiro ouvindo um som sessentista enquanto lembram do distante passado regado a muito sexo, drogas e rock’n’roll. Agora, meio carecas e barrigudos, eles só fumam cigarros de orégano, mas o espírito de paz e amor está mais vivo do que nunca. Os dois velhos “ripongas” definitivamente deixaram seus neurônios na década de 60;


  • os Skrotinhos, a chamada versão underground dos Sobrinhos do Capitão, foram criados em 87 e mostra os dois irmãos gêmeos, baixinhos e desbocados, que vivem a fazer troças de qualquer pessoa conhecida ou desconhecida que encontrem em suas histórias. Os personagens chegaram a estrelar dois comerciais da cerveja Kaiser Summer Draft e pra que isso fosse veiculado na TV, a dublagem deles tiveram que sair como vozes bem grossas, para descaracterizar como garotos-propaganda com apelo infantil. Mais recentemente surgiu uma versão feminina chamada de “As Skrotinhas“, a versão “xoxota” da dupla, também com as mesmas características. Há também uma versão “afro-descentente” deles, os Little Black Skrots!
  • Rhalah Rikota, o guru espiritual comedor de discípulas, já comentado aqui, Angeli criou o personagem baseado em seu amigo Glauco;

 
Outros personagens menores como Edi Campana, o voyeur fetichista; Benevides Paixão o único jornalista que conseguiu entrevistar a Rê Bordosa, Ritchi Pareide o roqueiro do Leblão; Rampal o paranormal, o machão machista Bibelô; o egocêntrico Walter Ego (também conhecido como “o mais Walter dos Walters”); Osgarmo, um sujeitinho que goza com facilidade, até com um aperto de mão; Rigapov, o imbecil do Apocalipse e Hippo-Glós, um hipocondríaco inspirado em Cacá Rosset.
 
 
Ele próprio também se tornou um personagem, estrelando de início as tiras “Angeli em crise“. Uma série de tiras fenomenal, onde o autor se definia numa fase de “crise”, mas na minha opinião, uma das melhores já feitas por ele! Meio que pela cara de pau das coisas que saiam, como capas de disco que ele curtia, mas no fundo acabava tendo muita reflexão pessoal. Algo que não sei se influenciou, de alguma maneira, seu amigo Laerte, que está fazendo algo parecido… ou isso é algo que acomete sempre os tirinistas vez ou outra.
 

 
Dos trabalhos de Angeli dos quais mais gosto, além da série de tiras República dos Bananas e Mulheres, são Los Três Amigos, um trio formado por personagens baseados na uma comédia de cinema de John Landis. Eles foram publicados pela primeira vez pelo suplemento FolhaTeen em 91 e fez muito sucesso na década de 90.
 
Na verdade, sua origem remonta de um aniversário da revista Chiclete com Banana, uma das mais importantes publicações de quadrinhos adultos já editadas no Brasil (que chegou a atingir uma tiragem de 110,000 exemplares) um sucesso editorial, altamente influente, que teve como capa Angeli e seus dois amigos de profissão, Glauco e Laerte, vestidos de mexicanos.
 
 
Também gostava bastante do pequeno Ozzy, o garoto rabugento que tinha um dinossauro de extimação e colecionava lesmas, o único personagem do cartunista feito para o público infanto-juvenil! Era uma espécie de Calvin meio grunge! Ele também era publicado no suplemento infantil da Folha de SP.
 
Angeli já teve suas tiras publicadas na Alemanha, França, Itália, Espanha e Argentina, mas foi no mercado de Portugal que obteve mais destaque, tendo uma compilação de seu trabalho lançada pela editora Devir em 2000, ano em que também teve a estreia de uma série de animação com seus personagens numa co-produção da TV Cultura com a produtora portuguesa Animanostra. Angeli também trabalhou na Rede Globo, como redator do programa infantil TV Colosso por 3 anos (1993-1996).

Quer ver mais tiras de Angeli? Acesse seu blog aqui, ou seu site oficial. Compras de revistas pelo site da Devir (tá faltando um patrocinio aqui, hein?) e uma entrevista supimpa com o artista na revista Trip, aqui.

Até Fevereiro, pequenos padawans! Por estarei de férias merecidas! Até!
 
 

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