No começo do ano, numa madrugada de março de 2010, em Osasco, Glauco Villas Boas era assassinado na porta de casa. O Brasil perdia um dos cartunistas mais influentes da “velha guarda”. Nascido em Jandaia do Sul, o desenhista e cartunista paranaense Glauco mudou-se em 76 para Ribeirão Preto e após ser descoberto pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, começou a publicar seus primeiros trabalhos no jornal Diário da Manhã, com a tira “Rei Magro e Dragolino” e já no ano seguinte, foi premiado no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, por um júri formado por feras como Jaguar, Millôr Fernandes, Henfil e Angeli.
Este último, acabou se tornando um grande amigo que iria acompanhá-lo pro resto de sua vida, inclusive ajudando Glauco em 84 a entrar para o cast do jornal A Folha de São Paulo, no caderno Ilustrada, onde apresentou vários de seus personagens como Geraldão. Aliás, na época, aconteceu um marco em relação as tiras nacionais, pois foi dado 50% do espaço que era interamente dos cartunistas gringos, para que os artistas nacionais pudessem produzir seu trabalho diariamente para competir com os americanos.
Logo também vieram Casal Neuras, Doy Jorge, Dona Marta e Zé do Apocalipse.
Geraldão, sua maior criação ou pelo menos a mais conhecida, foi concebido em 81, após Glauco ter lido A Erva do Diabo, de Carlos Castaneda. Ele editou a revista do personagem pela Circo Editorial entre 1987 e 1989 e, nesse período, foi colaborador das saudosas revistas Chiclete com Banana e Circo, onde seus amigos Laerte e Angeli também participavam.
Aliás, seu nome sempre esteve associado aos de seus companheiros, “a santíssima trindade dos quadrinhos brasileiros“, pela afinidade entre eles e por trabalharem no mesmo jornal por 25 anos e em quase sempre os mesmos projetos, como o caso da maior criação dos quadrinhos nacionais, Los Três Amigos!
Los Três Amigos era um trio formado pelas contrapartes de seus autores, Laerton, Angel Villa e Glauquito, os personagens brasileiros mais undergrounds dos quadrinhos!
Eles foram publicados pela primeira vez pelo suplemento FolhaTeen de 16 de dezembro de 1991, vindo de mais uma ideia do cartunista Angeli, depois de ter assistido a uma comédia de mesmo nome estrelada por Steve Martin, Chevy Chase e Martin Short e dirigida por John Landis, que no começo era apenas uma brincadeira para a capa da revista que estava fazendo aniversário. Ela apresentava o trio de amigos vestidos de mexicanos. Só que as histórias seguiram, e bem mais tarde, em 94, foi introduzido mais um amigo, o quarto componente baseado no também cartunista Adão Iturrusgarai.
Lembro que rachava de rir com os Miguelitos, seus inimigos mortais, que eram apenas garotinhos com “sombreros”, que sempre apareciam para sofrer nas mãos dos pistoleiros.
As histórias do trio (ou quarteto) são ambientadas na versão decadente, miserável e amoral do velho oeste, no México. Os quadrinhos tinham o tom underground próprio do trio (violência, sexo, drogas e perversões) e satirizavam a política e a realidade social do país, tradicionais temas abortados nos trabalhos dos cartunistas.
Para o público infantil, que era leitor do suplemento semanal Folhinha, ele criou o personagem Geraldinho, uma versão teen e light, tanto no traço quanto na temática do seu personagem Geraldão.
Ele criou mais tarde, em 2000, mais dois personagens para um portal na internet, Ficadinha e Netão (uma mistura de Casal Neuras com Geraldão).
Outros dois grandes personagens de Glauco eram Dona Marta e Zé do Apocalipse. A primeira uma inveterada tarada que corria atrás dos pobres office-boys e de sub-gerentes do seu serviço e o segundo, um anunciador do apocalipse, nem sempre pronto para que o mundo acabasse mesmo…
O cara até inspirou personagens, como é o caso de Rhalah Rikota, criação de Angeli, que se baseou no cara na época em que era seguidor de um guru indiano. O que era pra tirar um barato de um amigo, acabou sendo um personagem que caiu no gosto do público e continuou a ser publicado.
Glauco, bom maluco que era, fez parte do elenco de redatores da TV Pirata e de alguns quadros do programa infantil TV Colosso.
Pois é, ele era perceptivelmente um maluco beleza, rockeiro e ex-guitarrista de uma banda punk, também era adepto do Santo Daime, sendo padrinho fundador da igreja daimista Céu de Maria, que ficava em sua própria casa. Foi o Daime, segundo Glauco, que trouxe pra ele muita disciplina, principalmente em seu trabalho de cartunista. Sendo ele muito boêmio e meio exagerado nas baladas, esse lado espiritual acabou ajudando, fazendo com que ele se harmonizasse e evoluisse em seu trabalho.
Morreu de maneira estúpida através das mãos de mais um pirado, consumidor de drogas, que acreditava ser Jesus, mas tava mais para um Geraldão do mal!
Na época de sua morte, foi organizada uma justa homenagem ao artista, da qual eu também participei e que foi amplamente divulgada na internet.
Estilo
Com um humor ácido, piadas rápidas, traços simples e limpos e com um jeito particular, que unia inocência e malícia, Glauco colaborou para a modernização do projeto gráfico e do estilo dos cartoons brasileiros em período coincidente com o do advento de uma geração pós-ditadura.
Os trabalhos do cartunista expressavam algo quase infantil, mas a abordagem utilizada em seus trabalhos era o cotidiano e a sua degradação, de problemas conjugais e neuroses às drogas e violência urbana, mas sempre com graça e compaixão.
Talvez fosse a hora dele descansar de tudo isso…