“É engraçado como surgem as ideias. Num instante, não há nada.
No outro surge tudo de uma vez, e lá estão elas prontas para serem trabalhadas.
Só preciso de tempo, espaço.
Só preciso deixar meu medo de lado.”
Uma jovem garota em busca de seus sonhos precisa primeiro lidar com seus medos interiores para conseguir alcançar sua verdadeira força, definir sua identidade e encontrar seu caminho. Mais do mesmo? Pois garanto a você que, por mais familiar que a história de O Diário de Virgínia pareça, ela é tudo, menos clichê.
Os quadrinhos brasileiros estão se renovando. Mais ainda; ouso dizer que estão desabrochando. Deixaram de ser aquele arremedo tímido de plágio expressão artística e florescem para um universo de possibilidades honestas e originais, trazendo ventos de novidade e, quem sabe, ajudando a estabelecer os quadrinhos como produção artística/de entretenimento relevante para o Brasil, talvez até um mercado que o valha. Necronauta, o coletivo Quarto Mundo, Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo e 7 Vidas são apenas alguns exemplos da versatilidade e talento dos nossos autores de quadrinhos atuais. Gente que leva quadrinhos a sério; mas apenas na medida necessária.
Dentro deste cenário eu conheci um tempo atrás (e confesso que já deveria ter feito esse review há um bom tempo) uma das hqs mais interessantes e originais produzidas atualmente: O Diário de Virgínia.
Produto da mente fértil e criativa da programadora visual Goiana Cátia Ana (e possivelmente inspirado pela vida real), a hq é desenvolvida como se fosse, de fato, um diário onde a personagem que estampa o título descreve sua vida, seus medos e sua tentativa de ser alguém para si mesma. Virgínia é uma garota como muitas outras: Talentosa e esperta, mas que cresceu em um mundo de fantasia que desmoronou quando ela deixou a infância e teve que enfrentar o mundo adolescente e adulto. Por conta disso, Virginia tem dificuldades de seguir o caminho que acha correto e luta contra suas inseguranças, contra si mesma e contra as reviravoltas da vida para conquistar seu sonho.
Quando eu falo sobre Hqs, como na resenha de Cash – Uma Biografia, eu costumo enfatizar as peculiaridades que os quadrinhos como mídia podem nos trazer, coisas que não poderiam ser utilizadas em outros meios com a mesma eficiência. Mas para se dar conta destas possibilidades é necessário ter não só um bom conhecimento em HQs, mas saber escrever pensando na história desde o começo como uma hq (coisa que eu comentei no Podcast sobre o mercado brasileiro de quadrinhos), e assim poder aproveitar as oportunidades narrativas que as HQs nos proporcionam. Este foi exatamente um dos motivos pelos quais eu me impressionei com o trabalho feito por Cátia, pois temos uma história pensada diretamente para os quadrinhos. São capítulos temáticos, cada um lidando com um aspecto/desafio da vida à qual Virgínia está enfrentando, cada qual utilizando-se da narrativa gráfica para contar a história de forma mais fluida e criativa possível. O resultado é uma prosa ilustrada com foco mais subjetivo do que realista e que demonstra o grande potencial das histórias em quadrinhos brasileiras.
Além do uso competente da narrativa sequencial, podemos também citar outro ponto positivo: A adequação à web. Como comentei no Podcast 17, muitos especialistas acreditam que falta um amadurecimento das webcomics, que é necessário deixar de lado os formatos impressos tradicionais e buscar formatos que se utilizem dos recursos e das possibilidades da web para incrementar a narrativa. Em O Diário de Virgínia o que vemos é um excelente uso da internet para dar mais originalidade aos capítulos, que realmente fazem a diferença e, ao contrário de certos recursos utilizados à exaustão em outros meios (cof, cof, 3D, cof, cof), temos o formato como aliado da narrativa, chegando inclusive a ser difícil imaginar a história mantendo sua qualidade em outro formato.
A história em si também merece destaque. Embora com uma premissa bastante simples e nada incomum, a forma como o enredo é desenvolvido é de uma sensibilidade difícil de ser encontrada em obras de quadrinhos famosas, imagina então em quadrinhos brasileiros. Ponto para Cátia, que assim como Marcela Godoy mostra que, não só quadrinhos não é só para menino, como as mulheres podem se destacar bastante no meio, criando uma identidade própria sem emular nenhum estilo alheio.
O Diário de Virgínia é publicado em capítulos no site da HQ (está atualmente no capítulo 4) e é recomendável para todas as idades, sexos, cores, religiões e classes sociais, pois qualquer um pode se identificar; afinal de contas, é uma história humana.
Em tempo: O Diário de Virgínia também tem um “spin off” (se bem que eu sinceramente não sei qual veio primeiro), que são as Tiras do Mike, o personagem da história que é, entre outras coisas, o negativismo encarnado.
Nota: 9,01 (valores depois da vírgula totalmente arbitrários)