O ser humano ainda busca respostas para muitos mistérios da vida. Não só da vida como um todo, mas de sua própria. O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? 7 Vidas não nos dá tais respostas, mas nos leva para uma profunda viagem através de nossos próprios pensamentos e mostra o quanto os quadrinhos nacionais podem render de histórias boas e originais.
Vidas passadas é um conceito bastante pessoal, principalmente porque está ligado à doutrina espírita. Como não sou religioso, não acredito em vidas passadas. Mas imaginem, por um momento, que isso fosse possível. Imagine agora poder, em sua vida atual, voltar no tempo e conhecer quem você foi no passado em outras vidas. Você pode descobrir que já foi um humanitário, um milionário, sonhador… Ou um criminoso, um manipulador ou um carrasco. Seria uma viagem e tanto, não seria? E é justamente essa viagem que André Diniz (Ato 5) nos proporciona.
Apesar de não ser uma biografia propriamente dita como Retalhos ou Maus, 7 Vidas de fato conta um período real da vida do autor, o momento em que ele decidiu tirar a limpo essa história de terapia de vidas passadas. Durante várias sessões, o autor viaja ao passado, passando por várias épocas de forma não linear, conhecendo quem ele foi em outras vidas. Para quem não sabe, a Terapia de Vidas Passadas ou Regressão a Vidas Passadas é um método (que geralmente utiliza hipnose) em que a pessoa regressa sua mente para pontos do passado a fim de conhecer seus outros “Eus”, de períodos anteriores à sua existência atual.
O Espiritismo possui a crença de que muitos dos nossos problemas, físicos ou psicológicos, que carecem de solução médica aparente, são na verdade resultado de ações ocorridas em outras vidas. Em muitos aspectos, lembra o conceito de Carma: O que você faz de ruim na sua vida passada, você carrega por outras vidas até que possa compensar aquilo que você fez de alguma forma. Saber disso é importante, pois a regressão a vidas passadas não é apenas uma experiência religiosa; na verdade, ela é mais uma experiência psicológica, pois visa resolver supostas experiências passadas não resolvidas, por morte prematura ou por outros meios (a pessoa que não se arrependeu do que fez, etc) e que de uma forma ou de outra afetam sua vida atual.
No entanto, não é preciso ser espírita ou sequer acreditar em vidas passadas para se submeter à terapia. Como a própria terapeuta comenta na HQ, a Terapia de Vidas Passadas pode ser aproveitada até por quem não acredita, pois se for encarada como uma experiência psicológica para trazer à tona questões do inconsciente que são expostos na forma de símbolos (assim como acontece com os sonhos – sendo a base da psicanálise), não é preciso pensar nas vidas passadas de forma literal, e sim como uma viagem ao inconsciente, com as vidas passadas representando aspectos mais profundos da mente.
E essa é uma das coisas mais bacanas dessa HQ. Ela deixa para o leitor pensar se vidas passadas são reais ou não, expondo apenas os fatos que ocorreram. A questão de acreditar nisso é pessoal e restrita a cada leitor, assim como na vida essa crença também é pessoal e restrita à cada um individualmente. Mas digo, por experiência própria, que mesmo quem não acredita vai poder aproveitar 7 Vidas como uma ótima HQ, com um tema original, uma história interessante e conteúdo profundo.
A única ressalva que faço sobre 7 Vidas é em relação à arte. Os desenhos são bacanas, mas pessoalmente acredito que não cabem para uma história com conteúdo tão sério e profundo. Diferente de José Aguiar em Ato 5, o artista aqui, Antônio Elder, traz uma arte quase caricata (provavelmente resultado do estilo do próprio autor) que, embora seja muito bem feita, diminui um pouco o peso da história. Uma história, seja qual for o meio (quadrinhos, filmes, uarevaa) é algo que o leitor/espectador tem que “comprar”. Se você não compra a história, ela não vai soar real para você e ela não terá o resultado esperado. Numa história em quadrinhos, a história é aquilo que te prende, mas os desenhos são aquilo que te faz “comprar” a história.
Acredito que o desenhista representa para uma HQ diversas coisas, mas em particular, podemos dizer que o desenhista é como se fosse o “ator” de uma história em quadrinhos. Se o artista não representar bem aquilo que é dito no roteiro, as expressões dos personagens, a emoção das cenas, assim como um ator não conseguir representar bem o personagem, a obra perde um pouco do seu peso. Acho que foi o caso da arte de 7 vidas.
É uma pena que o mercado de quadrinhos brasileiros seja algo bem diferente do americano, por exemplo. Imagino o quanto a história iria ganhar se fosse desenhada por vários artistas, cada um representando um período de tempo relatado na história. Não que uma história dependa exclusivamente de sua arte, e nem é o caso de 7 Vidas, mas imagino o quanto a HQ ganharia artisticamente nesse caso. É uma pena que nos quadrinhos brasileiros não podemos nos dar a esses “luxos”.
De qualquer maneira, é uma obra recomendadíssima, tanto para quem é espiritualista quanto para quem não acredita. Comprei 7 Vidas na Banca 2000, por R$ 19,90. Acreditem, tá muito barato pelo número de páginas – 124 – e pela qualidade da história.
Com tanta coisa saindo nas bancas e livrarias ultimamente, digo que 7 Vidas é uma HQ que se destaca, e que merece ser lida. Uma verdadeira viagem, no melhor sentido da palavra.
Nota: 9,0
Rafael Rodrigues nunca fez nenhum tipo de terapia, de vidas passadas ou presentes, mas aposta que deveria fazer.