“Sempre haverá aventuras para outro dia”
Chloe Sullivan
Já fazem mais de 10 anos desde que eu descobri que seria feita uma série sobre a adolescência de Clark Kent antes dele se tornar Superman. Embora tenha achado a premissa interessante na época, não levava fé na série. Agora, uma década depois de sua estreia, smallville chega ao fim. E o que posso dizer sobre isso?
Antes de assistir o último episódio da série, eu “voltei no tempo” ao relembrar de quando eu assistia ao seriado. O primeiro episódio de Smallville foi muito melhor do que eu esperava, e acabou me fazendo assistir ao programa. A sequência da chuva de meteoros para mim até hoje está entre as melhores cenas já feitas numa história de super-heróis fora dos quadrinhos. Embora a série se focasse basicamente na vida e nos problemas adolescentes de Clark e seus amigos, a história conseguia levar de forma bacana o personagem, fugindo do caráter emblemático e mitológico do Superman e trazendo o lado mais humano. Para mim esse sempre foi o maior triunfo de Smallville, ou seja, não ser uma história sobre o Superman, mas sobre aquele rapaz “caxias” da cidade pequena que se tornará o salvador da humanidade.
Infelizmente a série se perdeu no caminho. Seja pelos clichês recorrentes (toda semana tínhamos alguém que esbarrava numa situação peculiar envolvendo kryptonita e adquiria superpoderes – um conceito que achei muito criativo de início, mas que desgastaram rapidamente), pelas saídas fáceis de roteiros ou simplesmente pela falta de noção, smallville acabou tentando consertar seus antigos erros com novos, criando um verdadeiro Frankenstein televisivo que se tornou basicamente uma caricatura da própria série, tornando-a, não só irreconhecível, mas também afastando o personagem do seu público “original” (os fãs de quadrinhos), fazendo com que uma série de muito potencial se tornasse uma completa piada*. Por essa razão, acabei deixando de acompanhar lá pela metade da terceira temporada.
Mas eis que a série durou muito mais tempo do que eu esperava e, enfim, em sua décima temporada, foi anunciado o seu término. Era a chance da série se redimir depois de tantas decisões equivocadas e de finalmente vermos Clark se tornando Superman “de vez” (apesar de que, como já comentei no podcast sobre o Superman, originalmente eu nunca imaginei a série terminando com ele, de fato, usando o uniforme e começando sua vida de super-herói).
A temporada começou esforçada. Percebíamos claramente a intenção e a tentativa dos produtores de conciliar a série com a mitologia “correta” do herói fazendo a história seguir seu rumo correto. Tivemos uma boa justificativa para a Chloe não ser “conhecida” no universo do Superman adulto, começávamos a ter vislumbres do que levaria Clark a adotar o uniforme e sua persona “nerd”, além de um episódio bacana (resenhado pelo Moura) que mostrava um futuro onde o Clark da série tinha, de fato, se tornado o Superman que conhecemos. Ainda tínhamos muito dos vícios e clichês da série, mas ainda assim parecia que Smallville finalmente entraria nos eixos.
Mas conforme a temporada foi se aproximando de seu final, as histórias começaram a ficar piores. BEM piores. Decisões difíceis de engolir, plots mal desenvolvidos, ganchos que não levaram a lugar nenhum e paródias desnecessárias de filmes atuais (destaco aquele que é quase um plágio de “Se beber, não case”, que pode facilmente ser colocado como O PIOR episódio da série) foram apenas alguns dos elementos que me fizeram começar a temer o episódio final (não que eu de fato tivesse muita esperança nele).
Então numa sexta-feira 13 estreou o season finale de Smallville. Com o título oportuno, mas pouco criativo (“Finale”), o especial de duas horas tinha uma tarefa ingrata e impossível: Agradar aos fãs da série e os fãs de quadrinhos, dando um desfecho digno para a jornada de 10 anos do personagem, fazendo-o chegar ao ponto de tornar-se Superman e agindo também como uma espécie de início para a “verdadeira jornada”, onde as histórias “de verdade” realmente começarão.
A história se inicia de forma bem bacana: Uma Chloe aparentemente mais velha lê para um menino loiro (provavelmente seu filho) uma revista em quadrinhos chamada “Smallville”, e começa a contar a história de Clark Kent, e de como um dia ele enfrentou seu maior desafio (Só não perguntem porque diabos existe uma revista que conta todos os segredos do Superman – selo “é melhor não pensar muito nisso” de roteirismo). Partimos então para 7 anos antes, quando vemos que Apokolips está chegando à Terra.
A primeira hora do finale é bem básica (e bem chata), atando algumas pontas soltas, fechando alguns ganchos diretos (como Oliver possuído pelas trevas, a decisão da Lois de não querer casar, entre outros) e preparando o terreno para a próxima hora, que é exatamente quando as coisas realmente começam a acontecer: O retorno de Lex Luthor, a “luta” contra Darkseid, o vôo e, finalmente, Clark “usando” do uniforme. Aspas serão explicadas mais adiante.
Como era de se esperar, diversos aspectos deste final ganham o selo “é melhor não pensar muito nisso” de roteirismo, como o retorno de Johnatan Kent (não especificado se como espírito, como alguém do passado, como um “espírito virtual” basicamente como Jor-El, enfim…), a ausência dos personagens da Liga da Justiça (no penúltimo episódio vimos que a Legião do Mal havia recebido a missão de atacar os heróis – só que nem os heróis nem os vilões aparecem no episódio, os vilões sequer são citados!), umas cenas forçadas entre Clark e a mãe dele (embora uma das cenas em particular tenha sido bem legal) e, claro, o fato de um PLANETA ENORME estar se dirigindo para o nosso sistema solar e os efeitos serem simplesmente pequenos tremores de terra globais. Parece que as leis da física em Smallville são bem diferentes.
Também houve momentos decepcionantes. Darkseid aparece, mas a luta dele com Clark, além de não ser exatamente uma luta, é na verdade o encontro de Clark com um Lionel Luthor zumbi possuído por Darkseid. Eu não esperava uma luta épica como todo mundo sempre espera em séries do tipo (parece que as pessoas ainda não entenderam que estão lidando com programa de TV, e como tal, com limitações orçamentárias), não só pela dificuldade financeira de ser fazer algo tão grandioso, mas principalmente porque este nunca foi o foco de Smallville (digam o que quiser, mas Smallville nunca “enganou” ninguém neste ponto; os enfrentamentos com vilões sempre foram meia boca e isso é quase uma regra), mas ainda assim esperava algo um pouco melhor. A forma como os profetas de Darkseid (Vovó Bondade, Glorioso Godfrey e Desaad) foram derrotados por Oliver foi patética. O clichê básico do esquecimento também foi “homenageado” neste final, quando Lex e Tess confrontam um ao outro e Tess é morta por Lex, mas não sem antes deixá-lo com uma neurotoxina que o faz esquecer de tudo até aquele momento. Apesar de ser outra das saídas fáceis de Smallville, pelo menos deixou Lex como o “Lex que conhecemos”, que não sabe que esteve em Smallville nem conhece Clark Kent ou sua identidade. Há também alguns outros detalhes que não fazem tanta importância assim, mas que se tornam engraçados pela falta de continuidade.
Mas eu estaria sendo injusto se não dissesse que o fim de Smallville também reservou momentos interessantes, bacanas e alguns até emocionantes. Ignorando a lógica do retorno de Johnatan Kent (pois confesso que fiquei feliz de saber que não usaram a desculpa do universo alternativo com ele também), os momentos de Clark com seus pais com certeza foram alguns dos pontos altos deste par de episódios, mas alguns momentos bem super-heróicos como a chegada de Apocolyps à Terra também contribuíram (embora os efeitos especiais não tenham sido lá essas coisas). O aguardado retorno de Lex Luthor também não decepcionou, primeiro porque, ao contrário do que dava a entender, Lex não retornou por alguma ressurreição feita por Darkseid (embora o vilão tenha tido parte fundamental no retorno de Lex), e sim por conta de seus clones que, apesar de defeituosos, tinham partes que funcionavam; então Lionel pegou de cada clone as partes que funcionavam e montou um “Lexenstein”, dando – literalmente – seu coração para completar o processo e sacrificando-se – ainda que não de forma totalmente voluntária, por assim dizer – pelo seu filho. Aliás, ainda falando de Lex, outro dos pontos altos foi com certeza seu encontro com Clark, onde tivemos um encerramento digno da relação conturbada entre os dois personagens, visto ao longo da série. A reação do Lex é até bem humana e calculista, podendo ser resumida a: “Um dia eu vou te matar, mas agora você precisa impedir que o mundo seja destruído. Depois que você resolver isso nós voltamos aos negócios”. Outra coisa interessante foi o casamento: enquanto muitos imaginavam um final “novela”, a história foi para outro lado e, apesar da tentativa, o casamento não foi “finalizado”.
São os 10 minutos finais, no entanto, que realmente fazem a diferença. Depois de “enfrentar” Darkseid, Clark finalmente voa, vai para a fortaleza da solidão e até que enfim veste o uniforme de Superman, bem a tempo de impedir que o Air Force One (que tinha Lois Lane a bordo) caia e de empurrar, literalmente, Apokolips embora. Sim, este é o Superman que move planetas. Embora muitos que assistirem ao episódio deverão sentir um misto de indignação, emoção e relativa satisfação por conta destas cenas (porque ele veste o uniforme, mas em nenhum momento ele “posa” ou o vemos por inteiro; as cenas se resumem a closes fechados do rosto, da capa, do símbolo e tomadas à distância que mostram um Tom Welling em CG com o uniforme), particularmente achei as cenas satisfatórias, pois mostram Clark se tornando o Superman, e ao mesmo tempo mantém a série focada mais na jornada do personagem e menos na roupa – e eu acho que essa decisão teve a ver alguma questão legal envolvendo o personagem).
A história se encerra 7 anos no futuro, onde Chloe termina de contar a história do Clark para seu filho (referido-se a história como o dia em que o garoto tornou-se Superman) e logo a cena passa para o Planeta Diário, onde percebemos que Clark e Lois estiveram sempre tentando casar desde então e, nesta próxima tentativa, talvez não consigam novamente, já que uma ameaça de bomba obriga Clark a agir. Vemos Jimmy Olsen (o irmão do Jimmy que já aparecera em Smallville, interpretado pelo mesmo ator, numa decisão inesperada e bizarríssima da produção), a voz de Michael Mckean como Perry White e um vislumbre de que, neste futuro (estamos em 2018) Lex é presidente dos EUA. A última cena não podia ser outra senão Clark subindo no telhado, tirando o óculos e saindo para a ação enquanto abre sua camisa e exibe o símbolo do Superman em seu peito.
De fato, não foi um final perfeito. Provavelmente os fãs de quadrinhos não vão gostar. Mas não é justo querer que a série agrade ao leitor de HQs se ela nunca foi feita para eles. Foi feita, sim, para manter vivo o legado do Superman para uma nova geração. A série teve seus altos e baixos (mais baixos do que altos, admito), mas conseguiu manter o personagem relevante para os dias de hoje. Os produtores podem ter falhado e tomado decisões ruins, mas, até aí, que atire a primeira pedra aquele que nunca viu coisas bem piores nos quadrinhos. Em suma, foi um final digno para a série e acredito que este desfecho vai colocar Smallville como uma das séries mais lembradas da primeira década do Século XXI. Além do que, é bom ouvir o clássico tema do Superman composto por John Williams uma outra vez (uma música que me arrepia até hoje quando ouço).
Nota 7.9 (o que para Smallville, é uma grande coisa)
*Não que isso seja necessariamente novidade; afinal, não são poucas as séries que acabam tendo as mesmas características: grande potencial, boas ideias, mas execução péssima, falha, equivocada ou todas as anteriores. Heroes é um dos melhores exemplos recentes.