Finalmente depois de tanto tempo de histórias desenhadas, animadas, televisionadas e quase cinematografadas a Mulher-Maravilha chegou aos cinemas. Com certeza muitas pessoas amarão o filme, outras tantas dirão que não é isso tudo, muitos outros o categorizaram como ruim, o que não podemos negar é sua importância dentro da cultura pop e da nossa sociedade.
Criada em 1941 pelo psicólogo William Moulton Marston, a personagem veio na expansão dos quadrinhos de super-heróis que era tendência e venda certa na época, porém, buscou trazer também um protagonismo feminino em um meio tão masculino – mesmo que a sexualização, os famosos usos de fetiches e outras coisas às vezes tentem apagar isso.
No livro The Secret History of Wonder Woman, escrito pela historiadora norte-americana Jill Lepore, além da biografia da personagem, revela a inspiração de Marston no movimento sufragista e feminista na concepção de Diana Prince, descrevendo até um incidente com Emmeline Pankhurst, jovem estudante que em 1911 foi impedida de falar em público no campus da Universidade de Harvard, onde o autor estudava. Além de abordar o período na década de 1920 em que o psicólogo e a esposa abrigaram na sua casa a sobrinha de Margaret Sanger, uma das mais influentes feministas do século 20.
Naturalmente, personagens de quadrinhos são redefinidos, modificados por conveniências e muitas vezes se afastam do que deveriam ser ou, simplesmente, por razões tanto externas quanto internas não conseguem ter o impacto e difusão na sociedade como mereciam.
Se o Superman rapidamente se tornou símbolo de altruísmo e o que devia ser um herói e o Batman de justiça e, até, família, a Mulher-Maravilha por mais que a DC Comics tentasse nunca conseguiu de fato se estabelecer. É só vermos o quanto de versões ela tem, ideias estapafúrdias que a colocaram e como depois do seriado de TV com a Linda Carter ficou apagada da cultura pop mesmo seguindo como parte da chamada Trindade da editora.
O roteirista Greg Rucka, um dos mais bem recebidos por critica e público a frente da revista da Amazona entre 2003 e 2006, apontou no evento Dragon Con certa vez que o Batman podia ter seus pais mortos em 1938, 52, 87 e você teria ainda o mesmo cara,” você ainda terá o mesmo personagem que sai da tragédia com uma agenda de isso nunca vai acontecer de novo”. O Superman poderia parar na Terra a qualquer momento, mas Diana tinha constantemente que mudar, se refazer.
Para ele, a personagem criada como um ícone feminista do início da década de 40 não se encaixa mais no feminismo de hoje. Para quem acompanhou a fase de Rucka ele colocou a Mulher-Maravilha como embaixadora de Themyscira no mundo do patriarcado como uma forma de abarcar esse lado político inerente dela. Mas, como sabemos, ela também pode ser uma guerreira, princesa, porta para um mundo mitológico e ainda super-heróina, inspiração para outras mulheres. Realmente é complicado unir tudo isso.
Mas eu faço a pergunta: para que unir?
O ser humano é plural, diversificado, e demonstrar facetas diferentes, desde que bem feito, de um personagem é interessante. Claro que fazer isso pode deixar as histórias confusas, caóticas, entretanto, te dou um bom exemplo de uma personagem feminina onde tínhamos isso e chegou num nível em que, em outros tempos, representou bem a pluralidade feminina: Buffy – A caça vampiros!
Óbvio, a produção sobre as mãos de Joss Whedon (Vingadores) era para a TV, sendo assim regida por regras diferentes dos quadrinhos, mas ao longo de suas temporadas podemos ver uma evolução e fases distintas da protagonista, tendo também um bom núcleo de coadjuvantes que reforçavam suas bases.
Eu sei que nas HQs a maioria do público é masculino e o que, geralmente, esse público quer é ação desenfreada, poses sexys e nada de abraçar dilemas e questões femininas. Contudo, também é fato que revistas como a nova Batgirl, a nova Miss Marvel, Capitã Marvel, séries como a da Supergirl e agora o próprio filme da Mulher-Maravilha – que em seu primeiro fim de semana nos cinemas americanos teve uma audiência composta por 52% de mulheres e superou expectativas de arrecadação – demonstram como o público feminino é forte, quer ver histórias que as contemplem e adoram também o gênero heroico.
Voltando a Buffy, no último episódio da série para proteger o mundo do rei vampiro a caçadora ativa os dons de todas possíveis caçadoras do mundo e cria um exército para combater o mal. Todo esse texto meu foi para chegar exatamente a esse ponto: por que não fazer o mesmo com a Mulher-Maravilha nos quadrinhos?
O símbolo da Maravilhosa com o lançamento do filme tem ganhado mais força, se espalhado principalmente pelas crianças como algo não só forte, mais de amor, união, empoderamento, e seria muito interessante ver isso levado para os quadrinhos com versões das mais diversas mulheres que passaram a ter um pouco do poder da personagem – por algum fato místico necessário – e, assim, explorar mais a representatividade e sair do padrão tanto estético quanto de abordagens de histórias. Seria uma boa forma de celebrar a mulher maravilhosa que existe em todo lugar, país, classe social, condição física e etc.
O feminismo de hoje em dia pode não ser igual ao dos anos quarenta, muitas lutas são diferentes, outras, infelizmente, as mesmas, mas a simbologia da princesa da Ilha Paraíso, a mulher forte entre os homens, a lutadora contra as forças opressoras do patriarcado é necessária e merece ser ainda mais trabalhada em um cenário tão complexo e retrógrado que vivemos.
Fico feliz com a boa repercussão do filme recém-lançado, assim como alguns enfoques dados por ele a personagem (mas isso é papo pra outro post ou podcast), entretanto, os quadrinhos, TV, animações, e, algo que vem crescendo também com esse gênero de histórias, livros precisam acompanhar e ampliar isso. Porque representatividade importa, feminismo importa, respeito e valorização feminina importa e que Mulher-Maravilha traga uma era de novas visões sobre o heroísmo no cinema, indo além da raiva, destruição e vingança, e faça o merecido brinde às mulheres maravilhas na ficção e na vida real.