Existem seres que espreitam na calada da noite, esperando o momento certo de saírem de seus covis. Seres que estão em outro mundo, tocando a raça humana sutilmente. Esses são os Noturnos.
A primeira vez que ouvi falar do escritor e desenhista argentino Salvador Sanz foi na história em quadrinhos Legião, onde o apocalipse bíblico acontece bem no centro de Buenos Aires. Em poucas páginas o traço e a forma como desenvolve os personagens já me conquistou e me deixou curioso para saber mais sobre o autor e suas obras.
Então, foi com muita alegria que recebi a noticia do lançamento da edição brasileira encadernada da HQ Noturno, pela editora Zarabata. Nela nos deparamos com a história de Lúcio e Lúcia, que se conheceram em um show de mágica quando se ofereceram como voluntários para participar de um dos atos.A partir dali, a vida de cada um foi tomada por eventos ao mesmo tempo insanos, extraordinários e inexplicáveis, que iam de transformações físicas, invasão extradimensional, cruzamentos de raças e liberdade. Agora, toda noite eles sonham com vôos, grandes aves negras e mundos com árvores que se erguem pelo infinito.
Noturno é um deslumbre visual sem igual, repleto de bom uso de contrastes de claro e escuro, imagens tão realísticas que se assemelham muitas vezes a fotos, e um roteiro envolvente com grandes pitadas de terror e aventura. Por entre as 144 páginas da obra, nos deparamos com uma Buenos Aires repleta de seu cotidiano, onde os personagens têm famílias, trabalhos chatos, uma rotina que é drasticamente modificada ao se conectarem com os Noturnos e com o mago responsável por essa transformação: Ciempiés, um homem misterioso que pretende um grande feito durante o espetáculo intitulado “A festa nacional do Sonho”, onde pretende levar toda a cidade de Porto Madryn a um estado de sono induzido.
É muito interessante ver um país vizinho ao nosso trabalhando histórias dentro de seu próprio ambiente, sem recorrer a estereótipos colonizadores. Aliás, os americanos aparecem em Noturno, eles sim estereotipados como a “força militar invasora”. Tudo em Noturno remete a um realismo fantástico mais próximo da cultura latina/argentina, mas sem levantar bandeiras ou ser panfletário. Esse é um bom exemplo a se seguir.
A única ressalva que faço a Noturno é seu final com ar de incompleto, apesar de a história da edição ter um “fim”, ela nos deixa com a sensação de que aquele universo ainda tem coisas a serem contadas. Fica a espera que uma continuação surja no futuro, mostrando mais um pouco dos protagonistas e das aves negras de outra dimensão.
Com um olhar bem particular sobre o mundo, Salvador Sanz nos fala sobre a surrealidade da vida e os caminhos estranhos que o amor e a imaginação seguem, envolto em belas imagens. Noturno é uma obra para ficar bem guardada em nossa mente e nos lembrar que muita coisa anda por ai, nos espreitando enquanto dormimos.
Editora: Zarabatana – Edição Especial
Autor: Salvador Sanz (roteiro e arte).
Preço: R$ 41,00
Número de páginas: 144