“Só é válido aceitar um evento como milagroso se as hipóteses de mentira ou erro forem ainda mais improváveis que o milagre em si.”
David Hume
A ideia de que deus, no alto de sua onipotência, criou um universo no qual ele precisa interceder vez ou outra, desafiando as próprias leis que ele criou, para beneficiar uns poucos crédulos enquanto muitos outros passam por situações terríveis de abuso, violência e morte é algo logicamente difícil de acreditar – Até porque assumir isso implica admitir que o deus “todo poderoso” não é tão onipotente assim, já que tem que corrigir falhas na sua própria criação, o que derruba a própria divindade deste. Mas mesmo assim, muita gente, até hoje, acredita em milagres. Sejam milagres espetaculares (como os protagonizados nas igrejas evangélicas), sejam milagres do cotidiano, como ter saído de casa atrasado e conseguido pegar o ônibus porque este também se atrasou. “Graças à Deus”, costumamos dizer nesses casos, mesmo que conscientemente não atribuindo o incidente ao divino.
Os milagres estão por toda parte. Mas serão mesmo milagres, no sentido estrito da palavra? É desse assunto e outros relacionados que trata O Livro dos Milagres – A ciência por trás das curas pela fé, das relíquias sagradas e dos exorcismos, escrito pelo jornalista e escritor Carlos Orsi. Embora eu costume desconfiar de obras científicas escritas por jornalistas (não, não tenho nada contra jornalistas, mas infelizmente o projeto editorial de muitos desses profissionais é dar ao público “apenas o necessário” – sendo esse “necessário” o julgamento do próprio sobre o que deve ser informado ou não, o que às vezes conta mais como desinformação do que qualquer outra coisa), decidi adquirir o livro por dois motivos: Primeiro, porque é uma obra focada em temas que algumas vezes são deixados de lado em outras obras céticas; e segundo, porque é uma opção cética nacional, coisa raríssima de se ver por aqui.
A ideia por trás d’O Livro dos Milagres é simples, mas eficiente: demonstrar, através de nosso conhecimento histórico e científico, de nossas descobertas empíricas e de fatos comprovados, como diversos fenômenos atribuídos ao sobrenatural hoje em dia podem facilmente ser categorizados como algo bem longe de fantástico – e sim bastante mundano, tentando tornar essa informação acessível ao público em geral. O principal foco do livro são os fenômenos cristãos ou atribuídos ao cristianismo, como a abertura do Mar Vermelho, a ressurreição de Cristo, o Santo Sudário, as aparições de Maria, os estigmas, o poder da oração, a cura pela fé, entre outros (tem até espaço para falar sobre exorcismo).
Embora a obra pareça bater de frente com os cristãos, o livro está longe de querer questionar fé: a intenção principal é o objetivo – que deveria ser – de todo jornalista: Informar. E é fato que a maioria esmagadora dos fenômenos atribuídos ao sobrenatural ou ditos como inexplicáveis TEM SIM explicação plausível. Mas infelizmente essas explicações, ou são simplesmente ignoradas em prol de manter a fantasia viva no imaginário popular ou não são muito divulgadas (porque, convenhamos, verdade não vende jornal, a menos que seja apelativa). Quanto ao primeiro caso, não há muito o que se fazer; já quanto ao segundo, isso é de fato muito simples: É preciso divulgar. E é isso o que Carlos Orsi faz muito bem no livro. De forma simples e direta, sem se ater a tecnicalidades, o autor consegue demonstrar que os principais pilares do sobrenatural religioso não são assim tão sobrenaturais e o ser humano SABE disso atualmente. Cabe ao leitor aceitar as evidências ou simplesmente continuar fingindo que elas não existem (mas isso já é escolha de cada um).
Eu sou um grande defensor da popularização da ciência. Levo a sério a frase dita por, se não me engano, Albert Einstein de que, “se você não sabe explicar uma coisa de forma simples, é porque você não entendeu”. Acho que os cientistas em muitos casos se tornam arrogantes que querem que a população aprenda à força conceitos científicos complicadíssimos e não se esforçam em serem acessíveis. Acho que o cientista tem a OBRIGAÇÃO de conseguir explicar seu trabalho e suas teorias de forma que um leigo possa entender. Não é à toa que as pessoas ainda acreditem em milagres: para muitos, a ciência é tão misteriosa e inacessível quando qualquer fenômeno considerado sobrenatural. Só que muita gente acha que, para ser simples, deve ser reducionista. E isso não precisa corresponder com a realidade. É possível explicar o conceito básico, sem se ater a tecnicalidades confusas, e ainda assim não simplificar um conceito de forma que ele se torne outra coisa.
Esse é exatamente a vantagem d’O livro dos Milagres: ser simples, sem ser simplista. É uma leitura rápida, mas não superficial. A obra descreve extensos debates científicos e resume cronologias e contextos históricos de forma que seja de fácil compreensão para qualquer leitor, mas pautado pelas fontes das informações, para quem quiser se aprofundar no assunto. Neste caso, considere então O Livro dos Milagres como uma “introdução ao ceticismo”. Ótimo para quem precisa de explicações simples, recomendado para os que, para serem céticos, só precisam de um “empurrãozinho”.
O Livro dos Milagres é curto, agradável de ler e relativamente barato: Comprei por módicos R$ 30,00. Talvez não ofereça muita novidade para os “céticos hardcore”, mas certamente é uma leitura válida, especialmente para aqueles que estão a um passo do ceticismo. É (obviamente) mais um trabalho jornalístico do que científico (embora embasado cientificamente), mas isso não é de forma alguma algo ruim: é um trabalho de pesquisa muito bem feito e remete demais à “popularização da ciência” que eu comentei neste texto e pelo qual eu luto tanto. Por essa razão considero a obra extremamente recomendável.
Nota: 9
P.S.: A capa do livro, além de visualmente bacana (não tem título, e mostra apenas uma vela num fundo escuro), também faz uma alusão a O mundo assombrado pelos demônios – a ciência vista como uma vela no escuro, de Carl Sagan. Ótima sacada.