O amigão da vizinhança – Parte 1

Ele é um tímido estudante e fascinado por ciência. Mas por trás desta faceta de garoto comum, está um dos maiores heróis do mundo!

“Enquanto isso, na banda desenhada…” é uma seção que traçar um paralelo entre o universo real e o mundo dos quadrinhos, analisando como as duas realidades afetam uma à outra, trazendo informação e estimulando a reflexão acerca dessa 8ª arte.


Com Grandes poderes, vem muita Grana!

Em toda a história dos quadrinhos de super-herói existiram diversos personagens que fizeram história, mas dois não só fizeram história, como definiram as regras sobre como fazer uma revista de super-heróis. Um deles, obviamente, é o Homem de aço (protagonista do arco anterior). O outro é sobre quem falaremos a partir de agora.

Em 1962, os tempos eram outros. A Era de Prata dos Quadrinhos havia começado, e regras bem definidas sobre como deveria ser um super-herói estabeleciam como uma revista de super-heróis tinha que ser. O conceito estava consolidado e o que se via eram os personagens clássicos (Batman, Superman, Mulher Maravilha…) repaginados ou em novas versões.
É nesse cenário que Stan Lee soube que a revista Amazing Adult Fantasy, da Marvel Comics ia ser cancelada, e acabou sendo contratado para escrever uma história única para a última edição da revista. Jack Kirby ficou como desenhista da história que, originalmente, era sobre um garoto órfão que morava com os tios, e que através de um anel mágico se tornava um adulto com superpoderes (original, hein?). Tudo graças ao vizinho, um cientista maluco (!).

Na versão de Kirby, o homem aranha possuía um uniforme que muito lembrava o do Capitão América (também desenvolvido por Kirby), e o personagem lançava teias através de uma pistola.

Por motivos desconhecidos, Kirby deixou o cargo, que passou para Steve Ditko. Ditko pegou os esboços de Kirby e os jogou fora, redesenhando completamente o personagem. A história também mudara. Agora, o personagem era um tímido adolescente que, durante uma demonstração de equipamentos que manipulavam radiação, acabou sendo picado por uma aranha. A aranha havia sido exposta à radiação, o que faz com que ela transmitisse suas capacidades para Parker.

Ao apresentar essa história para o editor, a idéia inicialmente foi rejeitada por ser absurda demais. Explico: Na época, entre as “regras” de se fazer uma revista de super-herói, estava a que todo super-herói era um adulto, e que super-heróis adolescentes serviam apenas como interlocutores, para que os heróis pudessem discutir e expressar suas idéias com mais clareza para o publico (os famosos sidekicks, ou parceiros mirins). Além disso, o personagem era baseado numa aranha. Um morcego tudo bem, mas uma aranha? Todo mundo morre de medo de aranha, aranhas são peçonhentas, horríveis e nojentas! Sim, esse foi um dos argumentos do editor. A história só foi aprovada porque era a última edição daquela revista, que fora renomeada para Amazing Fantasy, e assim foi publicado pela primeira vez o Fantástico Homem-Aranha.

A origem do personagem todos conhecem e inclusive eu resumi acima. Mas o que mais chamou a atenção na concepção do personagem foi seu caráter inovador. Além de ter um adolescente como protagonista, Parker era um jovem tímido e inseguro que tinha seus problemas como todo adolescente. Como não havia nenhum interlocutor (ou sidekick) para expressar suas idéias, o jeito foi revelar os pensamentos do herói em verdadeiros monólogos quadro a quadro, que redefiniram a forma de fazer quadrinhos com personagens solo. Outro fator interessante é que a história mostrava a evolução do personagem através dos seus próprios erros: Ao descobrir que tinha superpoderes, decidiu ganhar dinheiro lutando em ringues de luta livre, e só tomou um rumo quando seu tio que o criou foi morto pelo mesmo bandido que ele deixou escapara “porque não era problema dele”. Daí surgiu a frase mais célebre para os fãs, e um verdadeiro mantra para o personagem: “Com Grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. Peter Parker também foi o primeiro herói a ganhar dinheiro usando seu alter-ego, pois ganhava a vida vendendo fotos do Homem-Aranha. Mas dessa vez, por um bom motivo: ajudava financeiramente a pobre tia doente que o criou (e que agora era solteira, caso vocês não estejam prestando atenção).

Amazing Fantasy foi realmente cancelada, mas a última edição vendeu bem o suficiente para que o personagem ganhasse sua própria revista logo depois, Amazing Spider-Man. E assim havia se iniciado uma nova era nos quadrinhos. A Marvel já tinha outros personagens de sucesso (como o Quarteto Fantástico), mas o Homem-Aranha trouxe para os heróis um aspecto mais humano, trazendo uma maior identificação com o público. Outra novidade também era o Peter Parker como protagonista; até então, todas as revistas davam importância apenas para os feitos do herói; nas histórias do Aranha, tanto o herói quanto o tímido estudante tinham espaço, com seus problemas, seus amores, e suas dificuldades. Com a chegada do Homem Aranha, estava iniciada a Era Marvel.

Epílogo – Curiosidades:
– O nome completo do personagem é Peter Benjamim Parker
– Stan Lee nunca entregava um roteiro completo para o desenhista. Como ele era o único escritor da Marvel na época (e escrevia todas as revistas), a forma que ele encontrou para poder cumprir os prazos foi entregar apenas as idéias sobre o que aconteceria nas histórias; o resto era desenvolvido pelo desenhista. Por essa razão, artistas como Steve Ditko e Jack Kirby são considerados co-autores ou até autores de várias revistas e personagens da Marvel, pois grande parte do mérito narrativo era deles. Esse estilo de “roteiro” ainda é utilizado por alguns escritores da Casa de Idéias
– Por muitos anos, houve uma grande polêmica sobre quem havia criado o Homem-Aranha junto com Stan Lee, se era Jack Kirby ou Steve Ditko. Cada um puxava para o seu lado, a polêmica durou décadas apenas porque Stan Lee (o único que poderia acabar com isso) NÃO LEMBRAVA direito o que havia acontecido na época.
– Quando foi publicado inicialmente no Brasil, o Homem Aranha teve o seu nome e de outros personagens alterados (como parte de uma mania estranha dos editores da época de “aportuguesar” os nomes). Peter Parker era Pedro Prado, Tia May era Tia Maria, Gwen Stacy era Gina e J. Jonah Jameson era J. Jonas Jaime, só pra citar alguns. Isso se deu também por causa do desenho do personagem, que passava na TV na época.
– Ainda sobre o desenho, é ele que possui a conhecida trilha feita pelos Ramones:

– O Nome “Spiderman” (Homem-Aranha) foi sugerido por Steve Ditko, que gostava de como soava Hawkman (Na tradução Livre, “Homem-Gavião”; aqui no Brasil o personagem é conhecido como Gavião Negro).

A Seguir: Os Amigos! Os Inimigos! Os maiores desafios! E o Homem Aranha se casa! Tudo isso na próxima semana, quando “o Amigão da Vizinhança” continua!

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