Maldições – Gênese

“Profanador do Aónio santuário,
Lobisomem do Pindo, orneia ou brama,
Até findar no Inferno o teu fadário!”

Bocage


Tema Macabro

A dualidade do homem é, desde os tempos imemoriais, tema das mais variadas histórias e estudos. Seja a dualidade homem/deus, homem/mulher, homem/monstro, homem/animal ou outras, é um conceito que sempre nos fascinou. Mas desses temas, um que sempre foi bastante discutido e até hoje é motivo de debate é sobre as inclinações humanas contra nossos instintos animais. O que faz de nós “melhores” (com ênfase nas aspas) que outros animais? Porque nós somos civilizados? Será que ao longo das eras os ser humano evoluiu para destruir tudo aquilo que o assemelhava aos animais, ou apenas trancamos nossa criatura selvagem interior em uma prisão mental que, cedo ou tarde pode ser aberta? Se é assim, não estaríamos na verdade reprimindo instintos naturais que deveriam ser colocados para fora ao invés de trancafiados nos fundos de nossa mente?

Nossa herança animal, desde que o homem a descobriu, sempre nos assombrou como uma maldição. Tanto nossos instintos básicos como sobrevivência e reprodução quanto nossa ira e a capacidade de cometer atos selvagens como assassinato nos causa medo pois, por mais naturais que sejam podem, dependendo da ocasião, nos levar a lugares inusitados e terrenos perigosos. Essa dualidade humano social/humano animal é um elemento indissociável da sociedade moderna, mas não é um tema novo. É, de fato, um dos temas mais antigos da civilização racional e é personificada na forma de uma criatura que muito permeou as lendas e as histórias humanas: O Lobisomem.

As histórias mais antigas dessa lenda remontam à Grécia Antiga, não por acaso na aurora da civilização racional (ocidental), onde o homem passou a questionar os mitos e passou do meio rural para a criação do estado democrático. Mas, assim como os vampiros, os mitos relacionados aos lobisomens são encontrados em diversas culturas através das eras, com suas diferenças, mas mantendo certas características comuns entre si. Em síntese, um lobisomem é um ser humano capaz de transformar em lobo ou em uma versão antropomorfa de um lobo. A origem de tal transformação varia de lugar para lugar, mas em geral são atribuídas à lenda um caráter sobrenatural e/ou profano e a transformação atribuída à maldição ou punição divina.

Entre as diversas versões relacionadas ao mito do lobisomem ou aos aspectos relacionados a lobos e a transformação em animal, podemos citar as européias (os Lycanthropos na Grécia, os Loup-Garou na França, os Werewolf na Grã-Bretanha/EUA, os Werwolf na Alemanha e o Varulv na Dinamarca/Suécia/Noruega, apenas para citar alguns), que contam com histórias de homens que podem se transformar em lobo (ou em urso, dependendo da versão), via sobrenatural, castigo divino ou maldição; entre os índios nativos americanos, temos a lenda do Skin-Walker (literalmente, “os que andam com peles”), pessoas que podem se transformar em qualquer animal que deseje, desde que esteja vestindo a pele do animal em questão (tal conceito já foi encontrado por antropólogos também em diversas outras culturas indígenas ao redor do mundo). Já na Ásia, mais precisamente no folclore turco, encontramos uma visão ligeiramente diferente do mito: Os shamãs da Ásia Central, após um árduo e longo ritual, são capazes de se transformar numa forma de lobo humanoide chamada Kurtadam (como os lobos têm caráter totêmico para o povo turco, Shamãs capazes de realizar este feito eram os mais respeitados).

No Brasil existem versões diferentes do mito dependendo da região. Numa dessas versões, o sétimo filho, numa sequência de filhos homens, tornar-se-á um lobisomem (o inverso – a sétima filha de uma sequência de mulheres – às vezes está relacionado com o mito das Bruxas); em outra, o lobisomem se transforma toda meia noite de sexta-feira, onde passa a madrugada procurando por sangue para, ao amanhecer, voltar a ser humano novamente. Aqui no Brasil as lendas de Lobisomens são muito fortes até hoje, especialmente em cidades pequenas e áreas rurais, onde se descrevem muitos avistamentos e encontros com tal criatura.

Curiosidades:
– A forma mais conhecida de se matar um lobisomem (com uma bala de prata), surgiu possivelmente do mito da Besta de Gévaudan, de uma área histórica da França, onde lobisomens que se alimentavam de homens aterrorizaram a região de 1764 a 1767. As lendas dão conta que os ataques pararam quando um lobo de cerca de 80 cm foi morto por um caçador de lobisomens “profissional”. No entanto, outros ataques surgiram em outra região, e as lendas dão conta que esta segunda besta foi morta por um caçador local usando uma bala de prata fabricada por ele próprio;
– Entre as diversas origens para o surgimento do mito do lobisomem estão a existência de raças de lobos muito maiores que os conhecidos atualmente (que possivelmente tenham sido extintos por conta de sua caça) e duas condições hoje bastante conhecidas na comunidade científica: A Licantropia, uma rara síndrome psiquiátrica na qual a pessoa afetada sofre a ilusão de poder se transformar, ou de fato ter se transformado, em um animal, ou que tal pessoa é, de alguma forma, um animal (em geral um lobo), e a Hipertricose, uma condição caracterizada pelo crescimento anormal de pêlos no corpo (não por acaso chamada também de Síndrome do Lobisomem). Muitos historiados consideram também que tanto as lendas dos lobisomens quanto a dos vampiros surgiram para explicar os assassinatos seriais das respectivas épocas. Esta teoria é sustentada por Modus Operandi usados por assassinos seriais hoje em dia, como canibalismo, mutilação e ataques cíclicos;
– As lendas de lobisomens tem conexões curiosas com os vampiros. Até antes do século XIX, os gregos acreditavam que corpos de lobisomens, se não fossem destruídos, poderiam retornar à vida como vampiros em forma de lobos ou hienas para beber o sangue de soldados moribundos;
– Em algumas versões (inclusive algumas versões brasileiras), o fogo é descrito como forma de matar um lobisomem.

Na próxima Madrugada:
Das lendas para a ficção. Na próxima semana, a lenda segue em Maldições – Histórias.

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