“A vida é como um livro, filho. E todo livro tem um fim.
Não importa o quanto você gosta desse livro,
você terá que chegar a última página e ele terá um fim.”
(Tradução livre)
A vida é feita de inúmeras escolhas e possibilidades, a cada minuto um leque de futuros surgem a nossa frente e a cada decisão eles se desintregam, deixando uma parte de nós para trás ou o todo mesmo deixa de existir, morre. Isso é o que descobre Brás Domingos, um brasileiro do sul do país, editor de obituário de um jornal, além de escritor nas horas vagas. Um homem sempre em busca de seu lugar na existência, um viajante.
Daytripper é a última grande obra dos famosos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon, e quando comecei a rascunhar esse texto eles nem tinham ganho ainda o Eisner 2011 de Melhor Minissérie, totalizando quatro Eisners em seus currículos. Quando comecei a escrever esse texto, só para constar há duas semanas atrás, fui motivado pela sensação forte de reflexão que a obra deixou em mim após lê-la.
O trabalho dos gêmeos ao longo das suas 10 edições é mais uma crônica sobre vida e morte, como a preocupação com esse último momento de nosso respirar pode nos atrapalhar de viver o presente e como essa derradeira etapa de nossa existência está tão presente em todos nossos momentos desde o nascimento até, bem, até a morte de fato. Afinal, cada instante pode ser o nosso último e, como dito no inicio desse texto, cada decisão nos muda, nos tranforma em outra pessoa e mata o Eu anterior.
Mas não só de morte fala Daytripper, mas também sobre relacionamentos familiares, e principalmente a tradicional difícil relação entre pais e filhos. Como muitas vezes buscamos ser o oposto do que nossos pais são e, assim, deixamos também de ver o que de bom podemos tirar da experiência e vivencia com eles e, muitas vezes, só percebemos isso depois que eles já não estão mais nesse plano físico.
Outra questão, dentre tantas outras apresentadas ao longo da serie, que me chamou a atenção é como o protagonista – que não é nada mais do que um retrato de tantos mundo afora – passa muito tempo de sua vida tentando não aceitar-se como um escritor. A aceitação do que somos é um processo que muitas vezes demora, e em alguns nunca vem, a chegar, e normalmente enquanto não aceitamos como somos ou o que gostamos, temos vocação, é fácil o caminho da mediocridade e do uso mínimo de nossos talentos.
Além do sensível roteiro, a HQ também nos brinda com desenhos e verdadeiras paisagens da maior beleza. Passando-se completamente no Brasil, indo, por exemplo, de Salvador a São Paulo, a obra retrata maravilhosamente nosso país em sua natureza e ordinariedade, no melhor sentido da palavra.
Duas curiosidades não posso deixar de comentar aqui. O nome do protagonista, Brás Domingos, não é por acaso. Faz referência à obra de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, não só pelo nome como também por esse olhar sobre a morte. Outro ponto são os títulos de cada edição, nomeadas simplesmente com números que correspondem à idade de Brás na história a seguir.
Daytripper foi lançada pelo selo Vertigo, DC Comics, onde conseguiu grande sucesso de vendas e a indicação ao Eisner. No Brasil a editora Panini já anunciou suas intenções de publicá-la, e desde já espero ansioso por um encadernado dessa maravilhosa incursão dos gêmeos brasileiros pela metafísica, vivencia brasileira, e crônica da vida de uma pessoa que poderia ser eu, você ou qualquer um, e ai, pra mim, está o motivo do sucesso desse viajante, tanto geograficamente quanto existencialmente.
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