“Você tem todas as armas que precisa. Agora lute!” |
Quando Zack Snyder surgiu para o mundo do cinema hollywoodiano em Madrugada dos Mortos, um filme remake de zumbis, não imaginava o quanto de falatório suas obras causariam. Depois de duas adaptações de histórias em quadrinhos onde ele transportou fielmente quadros do papel – principalmente em 300 – e fez mudanças consideráveis que criaram brados contrários dos fãs pelo mundo todo, o diretor enfim se aventura em sua primeira estória autoral.
Suncher Punch traz a tela um mundo de fantasia dentro de uma realidade fria, mas, será que o “visionário” diretor conseguiu criar algo interessante e bem orquestrado como roteirista também?
A trama acompanha Babydoll (Emily Browning), garota confinada a um hospício por seu padrasto, que deseja lobotomizá-la. Babydoll cria um mundo de fantasia para se proteger, e ali, com a ajuda de suas amigas, precisa reunir cinco itens para escapar de seu destino real, uma lobotomização. Assim, como em um jogo de videogame, Snyder nos apresenta a um plot bem simples, de missão e fases – um estilo de cinema que começa a despontar com mais força atualmente, feito para uma geração que cresceu ligada ao mundo dos games.
Poster com easter egg |
O filme tem muito de psicologia, que, infelizmente, é bem superficial e realmente pouco trabalhada. A protagonista, Babydoll (notem que o nome dela só é dito pela professora de dança no “primeiro” piso de fantasia) ao ser presa no sanatório prefere imaginar que aquilo é um cabaré, onde todas internas são dançarinas dominadas pelo Sr. Blue. E ai está o primeiro erro de Snyder. A transposição do mundo sanatório para o mundo cabaré não é orgânica e confunde seu espectador. Nada que um simples efeito de junção de cenas, como por exemplo, mostrar as internas em algum espaço grande e aos poucos mudar a imagem para de um cabaré, focando que é a imaginação da garota, não ajudaria. Imagino que a intenção dele foi criar um pequeno choque em quem assiste, caminho que achei não muito acertado.
Alias, outro grande problema do filme é exatamente não nos lembrar – durante sua projeção – que aquilo não é verdadeiramente um cabaré e sim a invenção de uma garota, e, assim, compreendermos melhor o que se passava e evitar alguns buracos de roteiro. Mas, isso nos leva exatamente para um outro ponto: Zack Snyder é um roteirista preguiçoso.
Temos que ver Suncher Punch com isso bem definido: temos o Snyder diretor e o roteirista, o primeiro é primoroso nas seqüências que cria, principalmente nos mundos de fantasia, já o roteirista é preguiçoso de pensar soluções e encaixes melhores ou puramente medroso, ou ainda, algo que prefiro pensar que não é verdade, um falsário/egocêntrico que sabe muito bem os erros que se tem, mas acha que os efeitos e as belas seqüências de ação minimizaram os problemas.
Falando mais diretamente sobre o filme, ele tem alguns simbolismos bem legais. Em dado momento, quando Babydoll faz sua primeira dança, sua professora de dança, a Madame Gorski (Carla Gugino), fala um texto bem motivador, sobre como ela pode conseguir fazer o que deve fazer e como ela tem todas as armas que precisa para lutar. Me remeteu muito ao conceito psicológico de voz interior, já que aquilo se passava dentro também da cabeça da protagonista. Isto é, aquela tal voz que ouvimos em nossa mente de vez enquando nos impulsionando a continuar. Outro tipo de conceito é a aparição, já nos mundos de fantasias, do velho indicando o que ela devia fazer para conseguir ser livre, onde podemos fazer um paralelo com a mente consciente agindo como guia, mesmo dentro da loucura.
Fetiche japoronga |
Mas, em um filme de Snyder o que se tem realmente para falar é a ação e os mundos fantasiosos que ele criou. Parece não, é realmente a realização de uma criança crescida, que viu jogos, filmes, livros, HQs durante toda a infância e queria por isso em um filme seu, só que tudo de uma vez. As cenas em um Japão feudal, na primeira guerra mundial, em um mundo de dungeons and dragons e em um futuro sci-fi, são esteticamente falando muito bonitas, bem realizadas – tirando um pouco a parte dos samurais gigantes de pedra que o CG pecou um pouco.
Vemos mulheres em roupas fetichistas destruindo gigantes, dragões, mortos-vivos e robôs, tudo que um fanboy adora. Contudo, essas incursões de fantasia mesmo sendo uma metáfora para o que acontece na cena real (sanatório/cabaré), de fato, não acrescentam nada ao filme. Fica claro que Snyder não sabe construir tensão com o real e joga a fantasia para disfarçar, muito mais fácil inventar um mundo de guerra (meu preferido dos quatro) onde eles têm que explodir e atirar para todo lado para pegar um mapa, do que gerar a tensão se a garota vai conseguir pegar um mapa em uma sala correndo o risco do chefe voltar e pegá-la em flagrante ou não. Afinal, isso é coisa para um Nolan, um Kubrick, um Fincher da vida, Snyder ainda, e pelo andar da carruagem nunca, vai se prestar a tentar pelo menos. Uma pena.
Porém, esses mundos fantasiosos mostram como o diretor é perfeito para a ação surreal, e que poderia muito bem dirigir (sem roteirizar fique claro) algum filme puramente assim. Por isso até boto fé nele em Superman: Man of Steel, já que o roteiro não é dele e a proposta é algo com mais ação. Já posso ver os vôos do Azulão e sua porradaria com vilões em Slow Motion. Sim, não podemos esquecer-nos de sua marca registrada, ela aparece muito em Sucher Punch, contudo, só em um momento ela realmente me incomodou, e foi na seqüência do trem com robôs. Parecia que o diretor queria mostrar o quanto sabia ser exagerado, repetindo várias vezes o mesmo tipo de slow motion (como em tiros e suas balas lentas e capsulas voando), e isso por minutos incontáveis. Em outros momentos, como a longa cena inicial, ela até se justifica, já que o trauma que passa Babydoll no inicio é bem típico daquele jargão de que “às vezes tudo parece durar uma eternidade”.
Em resumo, Suncher Punch é um filme com uma boa proposta, mas mal desenvolvida, que diverte pela ação, mas que falha em ser um filme que equilibre o visual com a história, tornando as coisas muitas vezes confusas e não bem elaboradas. Mas, não posso dizer que não gostei dessa nova incursão do Snyder, pois já fui sabendo que seria algo assim, que ele é um diretor essencialmente estética e pouca narração, quem vai esperando algo além disso vai ficar decepcionado. No fim, ele é realmente um visionário, alguém que vê a frente a capacidade de marketing pessoal em um filme.
Não gosto muito de dar notas aos filmes, mas nesse abro uma exceção: Nota 8,0.
PS: gostaria realmente de ver um filme inteiro, mas feito com mais esmero e competência roteiristica, dentro do mundo de guerra que o Snyder criou, um mundo que mistura Hellboy e Tarantino em uma mesma coisa.
PS2: O final podia ter sido alguns minutos antes do real, seria perfeito se o Snyder não quisesse dar um ar maior ao filme do que realmente ele tem.