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Especial “Como fazer Tiras?” – Entrevistas #4

Fala, molecada!
Atenção, que essa é a nossa última entrevista com os tirinistas!
Antes mesmo do meu primeiro post por aqui no Tira de Letra, fiz a matéria especial de “Como Fazer Tiras” lá no meu blog (aqui no Uarévaa! ficou melhor), e depois rolaram algumas entrevistas especiais com os caras que entendem do traçado…
Hoje, veremos a parte final da série de entrevistas com grandes tirinistas da internet e jornais. E o último convidado é mais que especial!
Com vocês, Benett!


Criador de várias tiras bacanudas como Salmonelas, Melão Colia e o Cachorro e de um humor negro dos mais refinados, o tirinista, ilustrador e chargista paranaense de 35 anos, Alberto Benett, é um dos grandes nomes da nova geração de desenhistas que vem mostrando fantásticas tiras e charges, tanto em jornais e revistas como também na internet.
Ele inclusive já tinha se manifestado também quanto aos programas que fazem tiras aqui.

Conversei com o cara sobre como é que se faz!

1) Você começou produzindo tiras pra internet, não? Conta como foi esse começo.
Benett – Não. Comecei produzindo tiras para jornal impresso. Dois ou três meses antes de me formar em jornalismo, fui contratado por um jornal. Pura sorte. Foi coisa de conjunção de planetas, só pode. Mas antes disso, quando tinha 20 anos, já havia descolado um trampo de chargista, mas acabei demitido por heresia.
 
2) Como foi a transição para as charges? Foi um pedido de trabalho pago ou você mesmo é quem decidiu se concentrar mais nisso?
BenettNão houve transição, as duas coisas correm simultâneas. O fato é que sempre gostei de fazer charges e tiras. E acabei desenvolvendo um desenho que basicamente me limita a esses dois meios. Não consigo desenhar uma hq ou fazer caricaturas ou ilustrações elaboradas. Estou condenado a ser chargista/tirista, para ser sincero.
3) O que te inspira pra criar suas tiras, você é desses desenhistas como eu que vivem prestando atenção a tudo e todos? E o que você espera passar pras pessoas com elas?
Benett Espero que as pessoas divirtam-se com elas e, se possível, tentem identificar ali alguma visão de mundo anti-conformista e anti-moralista. É isso o que me inspira, essas pequenas possibilidades. Agora, sobre o lance de observar as pessoas, não faço muito isso para preservar meu estômago de uma possível hérnia.
 
4) O que você curte mais fazer, tiras, ilustrações ou charges?
Benett – Acho que o que mais curto, do fundo do coração, é escrever textos de humor. Meu desenho me deixa de mau humor, invariavelmente, porque nunca consigo desenhar as coisas da maneira que imagino.
 
5) Qual delas é mais rentável para você no fim do mês? As charges políticas? =)
Benett – Bem, na verdade não trabalho com frilas, eu tenho contrato com um jornal. Então, produzo charges e tiras e eles me pagam um salário. Agora, desconfio que esperar ganhar dinheiro no Brasil somente com tiras é algo arriscado. Isso vale para ilustradores, também. E para quem tem apenas curso de datilografia.
6) Quem são os seus mestres? Quem são os caras que te inspiram na literatura, nas artes, enfim, na hora que você analisa todas as coisas que você vem fazendo nas tiras e charges?
BenettPor incrível que pareça, Jack Kirby me diverte muito. Não gosto de histórias de herois, mas o desenho dele é fascinante.
Tenho lido livros de Steve Pinker e eles me inspiram muito, apesar de não ter nada a ver com o que faço. Estou escrevendo uma fotonovela, então tenho visto filmes policiais dos anos 50 pra baixo, aqueles com o James Cagney e tal, e isso tem sido fantástico.
Essas coisas me empolgam de verdade. Chester Himes me dá uma vontade imensa de morar no Bronx, assim como ouvir The Meters durante o dia todo enche minha alma de vitalidade.
E a vantagem dos dias de hoje é que tudo o que existe de produção cultural está a um clique. Quando eu era adolescente e babava para ver filmes do Lon Chaney Jr., era quase impossível descolar essas coisas. Ouvir um vinil do Lonnie Smith então, jamais. Eram coisas que cresciam com a nossa imaginação e, quando tínhamos acesso a isso, era fantástico, uma pequena glória saboreada lentamente. 
Lembro que aos 16, 17 anos queria muito ver os primeiros filmes dos Irmãos Marx, mas eles não saíam em vídeo e, quando saíam, as locadoras da minha cidade não compravam. Você tinha que descolar com algum especialista que fazia uma cópia em VHS para você pelos olhos da cara. Quando alguém me diz “aqueles é que eram os bons tempos”, tenho vontade de socar o nariz.
 
7) Como é a produção dessas tiras. Você as roteiriza ou esboça direto no papel antes da finalização? 
Benett – Não tenho uma maneira sistemática para fazer isso. Muitas vezes penso nas tiras durante minhas intermináveis horas de insônia e desenho tudo no dia seguinte. Outras vezes simplesmente sento com o papel em branco na minha frente e tento espremer uma ideia em 5 ou 10 minutos. Em outros tempos eu anotava tudo em folhas e jogava num canto, aí ia lá e escolhia as melhores e desenhava. E hoje tenho certeza que comecei a desenhar quadrinhos porque queria fazer as piadas que via no cinema, e a única maneira era através das tiras. Claro, havia toda a influência de Schulz e Johnny Hart, Angeli e Adão…mas a ideia mesmo eram as tiras que eu lia do Woody Allen, feitas pelo Stuart Hample.

Mas hoje anda difícil eu fazer tiras novas e ispiradas, por uma questão de falta de tempo, mesmo. Talvez falta de interesse, realmente. Acho que estou perdendo um pouco o tesão por isso.

8) Você acha que a internet tem sido um bom canal pra quem tá começando? Você já publicava tiras antes da internet, mas foi através dela que você ficou mais conhecido não?
Benett – Não sei se fiquei conhecido, para ser sincero. Bem, a internet é o caminho para quem está começåndo só que, por outro lado, é um tanto arriscado expor seu trabalho se ele ainda não está legal, sabe? Há uma certa impaciência para se publicar e isso pode ser letal para o cara, que fica esperando elogios e convites de emprego e a coisa não rola e ele acaba se frustrando. Ou pode acontecer de ele nunca ser uma novidade, nunca ser uma surpresa, por estar aí desde sempre. O ideal é aguardar um tempo até ter um trabalho legal e depois jogar na rede. O fato é que, de uma maneira ou de outra, o sujeito vai ter que ralar muito.
9) Você está a mais de 10 anos no ramo de desenhos, né? Você consegue analisar esse tempo em que você está batalhando, você consegue definir em que ponto daquilo que você projetou pra sua carreira você está vivendo?
BenettEstou há exatamente 10 anos e posso dizer que tenho sorte de ainda estar nessa. Sempre sobrevivi com a força das ideias, porque se dependesse do desenho, acho que hoje estaria vendendo escovas de porta em porta.
Acho que fui muito mais longe do que havia projetado, sinceramente. Pra você ver como não projetei nada muito ambicioso. Quando comecei isso aos 12 anos, eu queria mesmo era sair da minha cidade, do meu bairro, da minha casa, do meu quarto, da minha cama e, se possível, de minha própria carcaça.

10) Me parece que hoje um caminho pra se ter visibilidade de seu trabalho é produzindo tiras. Já vi vários artistas que acabam indo pra esse lado, com a intenção de ter esse reconhecimento pra depois tentar executar seus outros trabalhos. E por outro lado, tem aqueles que só interessam por produzir tiras.
O mercado hoje em dia pede muito mais daqueles que querem trampar com isso, certo? É bom que o cara saiba no mínimo o que tá rolando no planeta (no caso das charges) ou pelo menos que faça boas ilustrações, não é? 
BenettO nível está muito alto hoje em dia, em qualquer dessas áreas. Portanto, quanto mais informação e, principalmente, formação você tiver, melhor. Conhecimento nunca é demais, você pode desprezá-los depois, mas é importante ter técnica e conteúdo. Vai te dar mais possibilidades para o dia em que você enjoar desse negócio de cartum. Ah e, se possível, tenha alguma herança em vista.
 
11) Qual é a dica para o leitor que tem interesse em fazer tiras então?
Benett – Seja autêntico e não espere muito dos jornais. Não glamourize a profissão. Você vai ter de lidar com editores que vão censurar suas charges, vão querer alterar o texto de seu trabalho, vai aguentar muita encheção de saco até ter a autonomia de um Angeli ou Ziraldo. Vejam, Carl Barks, no alto de seus 55 anos, tinha que alterar histórias porque os editoras não gostavam do que liam, acredita nisso?

12) Você já viu esses programas que ajudam quem não sabe desenhar a fazer tiras, né? O que você acha disso? 
Benett – Dá certo por alguns minutos, mas se tornam rapidamente quadrinhos enfadonhos. Não surpreende. É como Cyanide & Hapiness. Houve tanta proliferação do mesmo desenho, que cansou.
A mediocridade sempre vai acabar predominando, ela deixou o que era uma ideia divertida, para virar algo que é um auto-plágio. Tornou-se previsível. E tornar-se previsível é o primeiro sintoma da decadência.
 
13) E quanto aos salões de humor, concursos, etc. Você acha que vale a pena tentar algo por esse caminho?
Vale, mas vencer um salão de humor não vai mudar muito sua vida. Agora, tem o lance da grana que é essencial.
 
14) Você gostaria de deixar alguma mensagem, recado, jabá, etc.?
Ahn…cuidado com sua postura na prancheta, ou você irá ficar parecendo com o quasímodo quando estiver mais velho.

Bom, é isso aí, galera!
Obrigado a todos os artistas que participaram e obrigado a você por ter dispensado um tempinho pra ler essas matérias. Dá um trabalho mais ou menos pra fazer! Mas no final vale a pena! Ano que vem vou ver se consiguo fazer mais especiais por aqui!

Para saber mais de Benett, acesse:

Para ver as outras entrevistas:

Como fazer Tiras #1
Como fazer Tiras #2
Como fazer Tiras #3

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