Oskar: Você não tem mesmo 12 anos, não é?
Eli: Tenho. Só que tenho 12 anos há muito tempo.
Oskar é um garoto comum nos anos 80. Introspectivo, muito inteligente, sofre com o bullying frequente na escola. Vive com a mãe, de boas intenções, mas que não parece ter muita idéia sobre como ser uma boa mãe. Seu pai, um alcoólatra, vive do outro lado da cidade. Oskar possui, em seu íntimo, um mórbido interesse pela morte e por crimes, e guarda consigo um caderno com recortes de jornal onde foram noticiados diversas mortes. Solitário, Oskar não tem ninguém com quem conversar, e passa os dias praticando e imaginando vingar-se dos garotos que o atormentam. Um dia, ele conhece Eli, garota que recém se mudou para o mesmo complexo residencial de Oskar. Uma jovem estranha, pálida, que só aparece à noite e não parece ter problemas com o frio, de poucos amigos e que, à princípio não quer muito papo com Oskar. Aos poucos, os dois vão desenvolvendo uma amizade bastante profunda, mas que pode prejudicar ambos.
Apesar da sinopse acima parecer de um típico drama, ele descreve um dos filmes mais bonitos e perturbadores que eu já vi. Claro, eu propositadamente ignorei na minha sinopse que Eli é, na verdade, uma vampira – e isso não é spoiler, porque tem na sinopse do próprio filme. Quando eu comentei sobre a essência das histórias de terror, lá no primeiro post dessa coluna, eu comentei sobre que o verdadeiro objetivo de uma história de terror não era assustar. Era também assustar. Mas principalmente, uma boa história de terror precisa nos deixar inquietos, reflexivos ou, em outras palavras, perturbados. Além disso, também comentei que toda história de terror era, em essência, um drama.
Deixe Ela entrar (Let the Right One In, no título em inglês ou Låt den rätte komma in, no original) traz tudo isso e muito mais. Produção sueca baseada no livro homônimo escrito por John Ajvide Lindqvist (tudo bem, eu também não faço idéia de quem seja), o filme traz uma inusitada interpretação do mito do vampiro e, ao invés de se ater ao mistério sobrenatural da criatura ou sua origem, prefere se focar nas conseqüências psicológicas de termos um vampiro de verdade, no caso, uma jovem vampira – ou pelo menos aparentemente jovem. Para os que estão acostumados com filmes “massa veio”, ele pode parecer bem parado, mas tudo isso ajuda a criar o clima necessário para a história. Ah, e não pensem que não haverá mortes e sangue. Há, e bastante. Mas elas não são gratuitas como acontece em muitos filmes atualmente (especialmente os de Hollywood).
Sem se preocupar contando as origens da garota, nem em criar uma complexa mitologia que daria margem para sequências caça-níquel, Deixe Ela Entrar traz tudo o que uma boa história de terror precisa para ser memorável: Personagens verossímeis, uma história competente, uma atmosfera perturbadora e cenas inesquecíveis. Além disso, se você é daqueles que precisa que um filme ganhe prêmio para que o seu valor seja provado, este ganhou vários. 48, pra ser mais exato.
Tudo isso, somado à performance acima da média dos atores fazem desse filme um item indispensável para se ter na prateleira se você é fã do gênero. Aliás, ouso dizer: É um filme indispensável para qualquer fã do bom cinema. Deixe Ela Entrar é mais do que um filme. É uma verdadeira experiência de vida.
P.S.: É impossível não se apaixonar por Lina Leandersson, a jovem de – na época – apenas 13 anos que faz o papel de Eli (mesmo protagonizando algumas cenas horripilantes)
P.S2.: A trilha sonora de Johan Söderqvist (também não conheço) para o filme é simplesmente magistral. Se vocês curtem trilhas sonoras incidentais, procurem esta que vocês não vão se arrepender.
P.S3.: Este ano será lançado uma refilmagem americana, chamada Let Me In. Façam o favor a si mesmos de não confundir as duas produções. O original é este.
Na próxima Madrugada:
O filme mais estranho, experimental e perturbador que eu já vi. Na próxima semana, se você quer mesmo ver algo perturbador, esteja aqui para conhecer Begotten.