Para o Alto e Avante – Final

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Numa aventura fantástica, o homem de aço é acusado de interferir no desenvolvimento da humanidade! É o maior dilema da vida do herói, mas Superman sempre toma a decisão certa, certo? Mas o que fazer quando se enfrenta o fim de tudo?

“Enquanto isso, na banda desenhada…” é uma seção que traça um paralelo entre o universo real e o mundo dos quadrinhos, analisando como as duas realidades afetam uma à outra, trazendo informação e estimulando a reflexão acerca dessa 8ª arte.


Para o Alto e Avante Conclusão: Quando morrem os mundos (anos 80)

Os anos 80 chegaram, e com ele um grande problema para a DC Comics: o Multiverso (diversas realidades paralelas onde existiam versões diferentes de personagens clássicos ou heróis de editoras pequenas compradas pela DC), criado originalmente para separar os heróis da Era de Ouro dos da Era de Prata, estava causando transtornos editoriais e de continuidade. Com o vai e vem dos personagens pelas realidades, e histórias passadas numa terra, depois em outra, histórias ignoradas com a desculpa que não se passavam na Terra “oficial” criou uma bagunça tão grande que obrigou a editora do Superman a por ordem na casa. Essa ordem veio em um épico em 12 capítulos e que se estendeu por todas as revistas de linha da DC chamado Crise Nas Infinitas Terras, até hoje considerada uma das melhores (senão a melhor) e maiores mega-saga já realizada. Nela, uma onda de antimatéria está destruindo todos os universos e só a reunião de todos os heróis dos universos restantes poderia evitar o pior. Essa saga foi um divisor de águas na trajetória da DC Comics, definindo o que hoje é conhecido como período Pré-Crise (anterior à saga) e Pós-Crise (posterior).

O impacto dessa saga para o Superman foi bastante profundo. Além de perder sua prima, Kara (a Supergirl) que morreu tentando salvar o planeta, ao fim da saga Superman ressurgiu bem diferente. As únicas Cinco Terras que remanescentes só sobreviveram se mesclando em um único universo onde as histórias dos personagens foram alteradas (algumas ligeiramente, outras COMPLETAMENTE). Com isso, a editora pôde abordar seus personagens recomeçando do zero, trazendo-os para o presente, mantendo suas qualidades e ignorando as cagadas feitas anteriormente.

Agora, Superman era o único sobrevivente de Krypton, só descobriu seus poderes na adolescência, só se tornou Superman quando foi para Metrópolis e nunca havia sido Superboy. Seus pais, que na versão original estavam mortos quando ele se tornou adulto, agora estavam vivos e eram coadjuvantes regulares do herói. A saga reiniciou seus principais personagens, começando do zero, com novas origens, ou alterações nas origens já estabelecidas. Toda a rica e vasta mitologia do Homem de Aço foi completamente apagada da história. O Superman original, o da Era de Ouro, encontrou seu fim (apesar de não ter morrido – ver curiosidades) para dar lugar à uma versão mais “atualizada” do personagem e adaptada aos novos tempos. Talvez o único defeito dessa estratégia foi o fato de que,assim como perdemos o que os personagens tinha de ruim ou ridículo, também perdemos muitas das coisas que enriqueciam o Homem de Aço.

A reformulação do personagem ficou a cargo de John Byrne, numa das fases mais lembradas pelos fãs, mas na época muito criticada pelos mais puristas. Nela, diferenças sutis, mas bastante significativas deram a nova cara do Homem de Aço. Krypton era um planeta estéril em que o contato entre eles não era aceitável. A história de Krypton é mais detalhada, mas foge completamente da Krypton original. Kal-El ainda é filho de Lara e Zor-El, e este ainda envia seu filho em uma nave antes do planeta explodir. Ao chegar aqui, ele ainda é encontrado pelo casal Jonhatan e Martha Kent, mas só começa a manifestar seus poderes na adolescência, onde fazia parte do time de futebol. Ao ir para Metrópolis, Clark Kent já não era um tímido repórter, mas audacioso, competente, e até um pouco “traiçoeiro”. Tanto que, nessa versão, ele consegue seu emprego no planeta diário por uma entrevista… Com Superman! Nepotismo pouco é bobagem…

Além disso, personagens kryptonianos como Supergirl e Krypto nunca existiram (apesar de terem pouco tempo depois ganhado “versões” mais condizentes com a nova realidade do Homem de Aço); os personagens coadjuvantes humanos, como Perry White (Editor do Planeta Diário), Jimmy Olsen e Lois Lane permaneceram basicamente os mesmos. A Kryptonita existia, mas só a verde e Superman era mais menos poderoso que sua versão “Pré-Crise”. A maior mudança talvez esteja na nova versão do principal inimigo do herói. Lex Luthor, que antes era um cientista louco básico, agora era um gênio das finanças, um mega-empresário inescrupuloso que tinha uma fachada de benfeitor para esconder seus negócios escusos. Seu ódio pelo Superman viria de dois fatos: De Superman ter sido o único a conseguir colocá-lo na prisão (mesmo ele tendo saído rapidamente), e pelo fato de que ele era o homem mais poderoso de Metrópolis, até o Superman chegar. De todas as alterações, particularmente, essa nova abordagem de Luthor foi uma das poucas que eu realmente gostei. Agora o Homem de Aço não tinha como pior inimigo apenas um gênio maluco que queria dominar o mundo. Eles eram os dois mais poderosos seres do mundo, cada um em sua “área”, e os dois eram intocáveis (Superman fisicamente e Lex Luthor, politicamente) e, enquanto Superman, sendo um alienígena, representava tudo de melhor que a humanidade tinha a oferecer, Lex Luthor era justo o oposto. Agora ele finalmente era o vilão perfeito para o Homem de Aço.

Apesar dessa reformulação ter tido seus revezes, ela tem grandes méritos. A fase de Byrne foi seguida por outros escritores e desenhistas, como Jerry Ordway, que mantiveram o nível das histórias por alguns anos. Infelizmente, o Homem de Aço passou por maus bocados depois disso, em termos editoriais, com escritores sofríveis, desenhistas medíocres e decisões puramente comerciais. O gráfico de qualidade do Superman (e vendas) apenas desceu nos anos 90 (Com exceção de sua morte, que foi mais um golpe de Marketing do que qualquer outra coisa), só melhorando consideravelmente em suas histórias mais recentes. Mas isso é assunto para uma outra ocasião.

Superman até hoje continua sendo o maior de todo os heróis. E assim, como em suas histórias, teve seus altos e baixos, seus desafios, seus vilões, suas vitórias e suas perdas. Em junho do ano passado, Superman completou 70 anos (nos EUA). Espero que ele tenha fôlego para mais 70. E que os editores não sacrifiquem tanto o personagem e percebam que ele tem sim, um enorme potencial a ser explorado, apenas precisa dos escritores certos.

FIM

Epílogo: Curiosidades
– Apesar de talvez ter sido a maior saga de quadrinhos envolvendo diversos super-heróis, Crise nas Infinitas Terras, no entanto, não foi a primeira dessa escala. O posto de número 1 vai para Guerras Secretas, da concorrente Marvel, lançada quase simultaneamente ao épico da DC, mas algumas semanas antes.
– Crise Nas infinitas Terras é quase um “plágio” de uma história publicada em 1978 na revista Showcase nº 100 pela mesma DC Comics. A história reúne diversos personagens a DC (que haviam aparecido na revista até então) para enfrentar uma ameaça ao planeta. Apesar da ameaça não ser exatamente a mesma, a seqüência de fatos e a narrativa é extremamente semelhante à vista anos depois em Crise nas Infinitas Terras.
– Além disso, a palavra “Crise”, que estampa a saga (e foi usada subsequentemente por outras grandes sagas da editora) veio das histórias “Crise na Terra 1”/”Crise na Terra 2”, que marcam a primeira aventura conjunta entre a Sociedade da Justiça (Heróis da Era de Ouro) e a Liga da Justiça (Heróis da Era de Prata).
– O Superman da Terra 2, o original, teve seu universo destruído e, junto com o Superboy da Terra Prime, ficaram no universo de antimatéria para os outros heróis poderem voltar. Alexander Luthor, filho de um Lex Luthor herói da Terra 3, que tinha poderes de cruzar universos, levou Superman, Superboy e Lois Lane da Terra 2 para um “outro lugar onde nunca sentiriam dor e apenas estariam em paz” ao fim da saga (uma alusão ao paraíso). Era um final digno para o maior herói de todos, afinal. Infelizmente, esses personagens mais recentemente retornaram em Crise Infinita e Blackest Night (mas isso é assunto pra outra hora)
– Para homenagear o fim do maior de todos os heróis, o Superman da Era de Ouro, a DC escalou ninguém menos do que o (na época) promissor escritor Alan Moore para contar a última aventura do Homem de Aço pré-crise. O Resultado foi a história “O que aconteceu com o Homem de Aço?“, um épico em duas partes que homenageia e explora toda a rica mitologia do Superman, mostrando o quão inesquecíveis poderiam ser as histórias do herói nas mãos de roteiristas mais competentes. Mas já era tarde demais, e essa seria a última vez que veríamos o personagem de forma digna.
– Aqui no Brasil, até Crise nas Infinitas Terras, Lois Lane era chamada de Miriam Lane (uma maldita mania dos editores brasileiros de “aportuguesar” os nomes dos personagens); O abril (editora brasileira que recém havia adquirido os direitos de publicar a DC aqui) aproveitou a saga para incluir de vez o nome original: Lois.
– Em Superman: O Legado das Estrelas (2003), Mark Waid surgiu com uma proposta inusitada: recontar a origem do Superman tentando mesclar as origens vistas em outras mídias num mesmo coeso conceito. O Resultado foi essa maxi-série em 12 edições que mistura elementos dos filmes de Richard Donner, do Superman de John Byrne, do Superman original e da série Smallville. Inicialmente, a DC considerou essa nova revisão como a origem definitiva do personagem. Mas não demorou muito pra justificar as “diversas origens” do herói com a saga Crise Infinita.
– Atualmente, Superman está passando por mais uma revisão de sua origem, na forma da mini-série Origem Secreta. Escrita por Geoff Johns, a história tenta fazer o mesmo que Mark Waid (misturando todas as versões do homem de aço numa só), mas dando destaque aos quadrinhos, principalmente aos elementos da Era de Prata que foram esquecidos após a crise. Vamos esperar que esta seja finalmente a origem “definitiva” do Homem de Aço. Mas eu duvido.

A seguir: Chega o Amigão da Vizinhança

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