Nos últimos tempos o mundo dos quadrinhos tem sido balançado por mudanças, compras, reformulações e uma intensa discussão sobre o que irá vir de novo ou se nada vai mudar. A Disney comprou a Marvel, a Warner criou o DC Entertainment. O Irmão Olho aproveitou todo esse clima e bateu um papo com um dos integrantes do Uarévaa que conhece bem essa entidade chamada “mercado”.
Dono de um blog de contos, um Portfólio Virtual, também escreve artigos sobre adaptações de HQ´s para o cinema no site Pipoca Combo e é colaborador do blog Uarévaa com uma coluna sobre terror todas as madrugadas de segunda para terça chamada Madrugada Macabra: Rafael Rodrigues.
Marcelo Soares: Você acha que vai em termos práticos mudar algo no tal mercado essa mudança?
Rafael Rodrigues: Com certeza, acho até que, por extensão, vai contribuir com o mercado de quadrinhos brasileiros. Sim, parece que não tem relação, mas tem
Marcelo: Como assim?
Rafael: Pensa assim. Quadrinhos é uma mídia que sempre teve muito lucro dentro de seu próprio segmento, mas nunca expandiu muito isso, só começou a mudar depois do sucesso de filmes como Homem-aranha, Homem de Ferro, Dark Knight, etc. Agora que a Disney foi comprada pela Marvel, ela com certeza dará muita importância para ela. E agora que a dc vai fazer o mesmo, o que vamos ter é finalmente o mercado de quadrinhos disputando espaço com as principais mídias de entretenimento, cinema e TV. O Brasil automaticamente, como sempre faz, vai assimilar isso, no cinema e na TV e, por conseqüência, nos quadrinhos.
Marcelo: Vendo por esse ponto realmente é uma grande mudança, porque deixa de ser um “gueto” e vira um “bairro”.
Rafael: Os investidores vão começar a se interessar por investir em quadrinhos, pois o investimento é mais barato que cinema e TV, embora a logística seja mais complicada, mas o retorno é mais rápido. Como as marcas americanas são sempre muito caras, muitos investidores vão começar a prezar por criar suas próprias marcas, com personagens nacionais como se fazem com outros produtos, por exemplo, e aí nós vamos ter mais incentivo aos quadrinhos nacionais.
Marcelo: Acho que aquilo que falava no post de quadrinhos e o marketing 2.0 vai ser levado mais a serio dentro dos quadrinhos, no sentido do marketing em cima dos personagens se aproximando do público.
Rafael: Eu acho que vai ser mais uma conseqüência do que uma tendência, vendo outros exemplos de produtos de outros segmentos. Um exemplo bem idiota são produtos alimentícios. Produtos da Turma da Mônica são caros por causa do licenciamento, mas criar uma “turminha” que seja o carro chefe dos produtos é coisa que mais se faz. Claro, aqui não falo em termos criativos, e sim em termos comerciais, mas nesse ponto acho que no futuro os quadrinhos brasileiros podem se beneficiar e muito, um mercado interessado em investir em HQ nacional já é um ótimo começo.
Marcelo: Em termos de midiatização, que é mais minha área, acho que algo assim beneficia os quadrinhos no sentido de se fortalecer como meio de comunicação perante o público e a critica, coisa que nesse último já vem acontecendo, mas que para o grande público não tem.
Rafael: Exato. Quadrinhos é algo que fica muito restrito no seu próprio nicho, tanto a aquisição da Marvel pela Disney quanto essa decisão da Warner de dar importância para os quadrinhos da DC vão ajudar a crescer o mercado para fora do seu nicho, atingindo o público comum.
Marcelo: Para mim, a Warner perdeu muito tempo mal fazendo filmes, uns desenhos animados que só os fãs gostaram, mas perderam a chance de se aventurar em series, animações (afinal, um Os Incríveis penetrou muito mais na “familia” que qualquer desenho da DC). A tendência com essa “Nova DC” é se dar mais atenção a isso?
Rafael: Sim, é que a Warner sempre cagou para quadrinhos, essa que é a verdade, todo o mercado fazia isso, a coisa só mudou de figura porque a Marvel teve que cavar seu próprio espaço na unha. Mas, o mercado de entretenimento nunca viu HQ´s como algo altamente rentável para o público comum. Isso só começou a mudar com X-Men, Homem-Aranha, etc.
E quando eu digo altamente rentável, me refiro à algo muito maior do que o que a Warner fazia com seus filmes e desenhos antigamente, que saía um filmezinho aqui, um game ali, mas todos isolados e sem planejamento. Agora a tendência é fazer o filme, adaptar para um desenho animado, fazer um jogo do game, uma adaptação em quadrinhos, brinquedos, e sabe-se lá mais o que, só que de maneira bem mais integrada e ajudando na fidelização da marca.
Marcelo: É como você diz: a coisa é negócio, então para um negocio funcionar bem tem que se ter um planejamento a longo prazo e um cronograma, e não ficar indo empurrando com a barriga e fazendo o que acha melhor no momento, isso ficou evidente nos filmes. A Marvel logo que tomou pra si a produção de suas obras montou um cronograma de produção e exibição, enquanto a Warner era um show de cancelamentos e novas propostas que logo morriam.
Rafael: Verdade. E tem outra, a Marvel sempre teve um foco interessante nas suas adaptações: o de manter a coerência entre as mídias ou pelo menos tentava. Se você fosse ver os filmes do Homem-Aranha, os acontecimentos básicos estão nos quadrinhos também, a evolução do personagem. Quero dizer, claro que houveram mudanças, mas é bem diferente dos filmes da DC, por exemplo, onde vemos um Lex Luthor de um jeito, em Smallville de outro e nos quadrinhos de outro.
Marcelo: A DC sempre achou que só o nome do personagem já bastava para manter o interesse e isso se viu ser furado com o Superman Returns, por exemplo.
Rafael: Sim, e isso de integração entre as mídias é importante. Imagina se você vai ver um filme de um herói, aí você ama aquele filme e quer conhecer mais aí vai ler os quadrinhos e o personagem não é nem de longe o mesmo que você viu nos filmes, o guri desiste na hora de acompanhar a HQ.
Marcelo: É, e foi por ai que o Quesada pensou quando reformulou o Homem-Aranha, pena que fez de uma forma mal feita.
Rafael: É, mas o Quesada fez o inverso. Tentou fazer a HQ se parecer com o filme quando é mais fácil fazer o contrário. Claro que sempre vão haver adaptações, afinal são duas mídias diferentes. Mas pô, o que faz o homem-aranha ser popular nos quadrinhos são certos elementos e esses elementos têm que estar num filme se não você não vai atingir o mesmo perfil de público. O mesmo vale para qualquer outro personagem.
Marcelo: Nisso a Marvel se deu melhor que a DC nessa “era de prata” dos filmes-quadrinhos
Rafael: Sim. O Batman, por exemplo, sempre foi o herói mais “maduro da DC”, foi só a DC entender isso que fez o filme de herói mais visto da história, além de um dos melhores, se não o melhor.
Marcelo: Ninguém nunca vai entender por que deixar seu personagem mais famoso e com histórias de violência e sombriedade no currículo ser representado por um Batman eternamente e Batman e Robin.
Rafael: A Warner não entendia o potencial do personagem porque o mercado “marginalizava” as HQs. O mercado sempre pensou nas HQ’s como coisa que só idiota (fanboys) e crianças se interessariam, hoje, com o aumento cada vez maior de novos tipos de mídias de entretenimento, e cada vez mais produtos iguais pros mesmos perfis de públicos, começou a ficar indispensável buscar coisas “novas” para se destacar. E os grandes conglomerados finalmente botaram o olho nos quadrinhos.
É até estranho pensar como uma empresa como a Disney demorou tanto pra ver o potencial das HQ´s, mas se formos parar pra pensar, lá nos EUA, os quadrinhos da Disney (Mickey, Pateta, Donald, etc) não vendem nada, tanto que não tinham nem “casa” definida, os caras se baseiam pelo exemplo deles. Se nossos personagens, que são marcas centenárias praticamente, não vendem em quadrinhos, porque iríamos investir nisso. Daí eles provavelmente viram que talvez o problema não fosse o segmento (HQ´s) e sim os personagens que talvez não se “encaixassem” na mídia. E aí compraram aquilo que já tava pronto e que já dava certo, pelo menos é o que parece pra mim.
Enfim, muito ainda irá passar por debaixo dessa ponte, e as perspectivas podem ser muito boas para quem curte quadrinhos e é fã da concorrência saudável entra empresas. É esperar para ver.