Le Théâtre du Grand-Guignol

“Antes da guerra, todos tinham a sensação de que o que acontecia em cima do palco era algo impossível. Agora sabemos que essas coisas, e outras ainda piores, são uma realidade possível”

Charles Nonon, último diretor do Théâtre du Grand-Guignol

Quando se pensa na noite parisiense do século XIX, a primeira coisa que vem à cabeça da maior parte do público é o célebre Moulin Rouge, o tradicional cabaré francês que até hoje alegra as noites dos turistas com grandes espetáculos.

Poucos sabem, no entanto, alguns anos após a inauguração desta tão famosa casa, um outro local fora inaugurado na região de Pigalle, também na França: Le Théâtre du Grand-Guignol.

O Grand-Guignol (pronuncia-se “gran Guiniol”) se tornou infame por apresentar o que era conhecido como “horror naturalista”. Em outras palavras, apresentava peças peças grotescas de horror com cenas explícitas de decapitação, desmembramento, esquartejamento, evisceração e outras práticas de imolação corporal – o que, para a época, era um grande feito, considerando as limitações do teatro em comparação com, por exemplo, o cinema de hoje.

O teatro iniciou suas atividades em 1897 – 8 anos após a inauguração do Moulin Rouge –, no lugar que outrora havia sido uma igreja. Nada mais oportuno, já que a velha arquitetura católica acabava dando uma atmosfera macabra para o lugar, com antigos confessionários transformados em camarotes.

André de Lorde foi o principal dramaturgo do Grand-Guignol, escrevendo pelo menos uma centena de peças curtas entre 1901 e 1926, especializando-se em narrativas sobre loucura e demência, contando com a colaboração do psicólogo experimental Alfred Binet.

O Grand-Guignol oferecia uma grande variedade de peças no estilo de horror naturalista, quase sempre tratando de personagens das camadas mais baixas da sociedade francesa, como criminosos e prostitutas.

Cada sessão era composta por cinco ou seis peças curtas, nem todas de horror, mas obviamente foram as apresentações deste gênero que fizeram a fama do teatro. Os efeitos especiais chocantes e os finais fatalmente sanguinolentos fascinavam e criavam repúdio na platéia, garantindo a fama do Grand-Guignol também ao redor do mundo.

A intenção principal do seu fundador, Oscar Méténier, era que o espaço fosse uma extensão do movimento naturalista. O naturalismo era, na época, uma forma narrativa em que se buscava a ilusão perfeita de realidade nas cenas através de diversas estratégias dramáticas e teatrais, com sets tridimensionais, discurso do cotidiano (como prosa ao invés da poesia), uma visão de mundo secular (sem espíritos, fantasmas, ou deuses interferindo na ação humana), foco exclusivo em assuntos contemporâneos, sem narrativas exóticas ou em localizações fantásticas, nem históricas ou míticas, e tentando ser uma extensão da difusão social da população da época, ou seja, evitando os aristocratas do drama tradicional, com protagonistas geralmente burgueses ou trabalhadores.

Em outras palavras, o teatro naturalista era uma forma de proporcionar ao público em geral uma forma de teatro no qual eles pudessem se identificar, onde a intenção principal era que o público visse aquilo como um vislumbre de como seria aquela situação se ela acontecesse de verdade. Visto por este ponto de vista, fica fácil entender por que o horror naturalista do Teatro do Grand Guignol impressionava tanto os espectadores, muitas vezes positivamente – e outras negaetivamente.

O estilo de horror explícito do teatro francês naturalmente foi absorvido pelo cinema, desde Dr. Gogol, o Médico Louco (1935) e Olho Diabólico (1960) até os exageros de artistas tão díspares quanto Herschell Gordon Lewis e Dario Argento. É claro que inúmeros outros poderiam ser citados aqui, mas fica para outro momento.

A decadência do Grand-Guignol teve início depois do final da Segunda Guerra Mundial, o que acabou acarretando no seu fechamento definitivo em 1962.

Portanto, a partir de agora, sempre que você ver um filme ou HQ de terror sobre temas mundanos e com bastante violência gráfica, saiba que existe um termo para se referir a estas narrativas: Filmes/Hqs estilo “Grand Guignol”. E, se um dia você for à França, lembre-se que, na época do Moulin Rouge, também existia espaço para o Terror na noite francesa.

Quem que saber mais sobre o Grand Guignol, especialmente sobre o estilo de horror naturalista, pode acessar o Grandguignol.com (em inglês), que é um banco de dados bem completo sobre o tema, não só com a história do teatro e do estilo, mas também com exemplos de filmes, livros e peças de teatro neste subgênero. Recomendo.

Curiosidades:
– O estilo de teatro naturalista foi promovido explicitamente por Émile Zola, em 1880 num ensaio chamado “Naturalism on Stage” (Naturalismo no Palco), e é diretamente influenciado pela Teoria da Evolução por Seleção Natural, de Charles Darwin. A partir das ideias de Darwin, os naturalistas acreditavam que o ser humano tinha características hereditárias, mas que era determinado pelo seu contexto social, aspecto que é uma das bases do teatro naturalista;
– O nome do Teatro vem de Guignol, uma marionete, personagem de um teatro de fantoches criado no século XIX em Lyon, na França, cujas apresentações misturavam comentários políticos com o estilo de teatro de marionetes onde os personagens acabavam sempre em algum momento socando um ao outro;
– As peças de horror apresentadas no Teatro eram tão realistas e impressionantes para a época que, não raro, algumas pessoas desmaiavam ou vomitavam durante as sessões;
– Se você acompanha o Madrugada Macabra há um tempo já deve saber, mas a companhia de teatro Vigor Mortis, de Curitiba, que também se aventura pelo cinema e mais recentemente nos quadrinhos, com a Vigor Mortis Comics (que tem desenhos do amigo José Aguiar), é diretamente inspirada no Théâtre du Grand-Guignol.

Agradecimentos especiais à Angélica Hellish, do Cine Masmorra, que me passou o texto sobre o Grand Guignol do blog Cine Monstro, e que serviu parcialmente como fonte para este texto.

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